Muita gente pode dizer que o
principal problema desta nova versão de Desejo
de Matar é o timing. Que ser
lançado em meio às discussões sobre violência armada abre o filme a
questionamentos que talvez não seriam feitos ou percebidos em outros contextos.
Não são considerações completamente equivocadas, mas não é somente o timing que torna o filme problemático e
mesmo sob um olhar afastado de todo a questão do porte de armas a obra não se
sustenta e o que sobra é um produto sem substância que não entende o que tornou
o original tão interessante.
Quando se fala em Desejo de Matar, em geral as pessoas lembram
das explosivas continuações, mas o primeiro filme, de 1974, tinha uma carga
dramática séria e refletia sobre o poder destrutivo da violência. Não havia
catarse ou reparação na jornada de Kersey e a violência (dos bandidos, dele
próprio) destruía tudo ao seu redor. Essa nova versão não tem nenhum desses
componentes e não constrói nenhum tipo de ponderação sobre a violência em nossa
sociedade. Não que ele tivesse obrigação de fazer qualquer uma dessas coisas,
mas uma vez retirados esses elementos resta apenas uma trama de vingança igual
a dúzias de outras que o cinema hollywoodiano produz anualmente.
A narrativa é bem similar ao
original de 1974: Paul Kersey (Bruce Willis) é um sujeito pacato que vive feliz
com a esposa e a filha. Um dia a família de Paul é assassinada em um assalto
que dá errado e vendo que a polícia não resolve o crime, decide ele próprio
resolver a situação e caçar os criminosos. Tudo é excessivamente maniqueísta,
unidimensional e sem sutileza: bandidos são vermes cruéis e puramente malignos,
policiais são incompetentes, mendigos existem meramente como um inconveniente
desagradável e não como um problema social, ou seja não há muito esforço em
criar personagens interessantes ou situações moralmente complexas.
Logo após a morte da esposa, o
filme parece interessado em explorar o luto do personagem, sua dor e seu
impacto sobre ele, mas isso logo é abandonado assim que Paul começa sua jornada
de vigilantismo e passa a matar criminosos com um sorriso no rosto e frases de
efeito. Se a primeira cena dele com a terapeuta era um indicativo de esforço de
construção dramática, a cena seguinte, na qual ele vai sorridente para terapia
depois de chacinar bandidos, mostra que o diretor Eli Roth só estava
interessado em construir essa piada. Tanto, que a terapeuta é esquecida, não
volta a aparecer e esse aspecto do personagem nunca mais é citado. Assim, ao
invés de ser um viúvo enlutado que recorre à violência em uma tentativa vã de
aplacar uma dor que não cede, Paul é um homicida sádico que sente prazer no que
faz, tornando difícil torcer por ele. Até a série do Justiceiro da Marvel opera para mostrar que Frank é mentalmente
instável e que sua cruzada contra o crime faz pouco para sublimar seus traumas,
mas aqui a violência é a resposta e a cura.
Também parece haver uma tentativa
de comentar sobre o mercado de armas e a facilidade em obtê-las nos Estados
Unidos ao mostrar Paul assistindo alguns comerciais e indo a uma loja de
armamentos. Poderia funcionar como uma crítica contundente se logo depois o filme
não mostrasse Paul treinando com suas armas ao som de Back in Black do AC/DC, exibindo-o como um herói "fodão"
por estar se preparando para matar bandidos e sabotando completamente o
argumento das cenas anteriores que satirizava a indústria de armas. Parece que
o filme mais coloca esses breves momentos de ponderação, como a cena em que
radialistas discutem se um vigilante armado melhora ou piora as coisas,
meramente como um artifício para se defender de possíveis críticas de que o
filme é meramente uma glorificação da violência armada, sendo que é exatamente
isso que ele é e não haveria problema algum se ele simplesmente tentasse
sustentar seu ponto de vista ao invés de adotar essa abordagem esquizofrênica
de querer agradar todos os tipos de espectador.
Esses breves momentos de
"problematização" não acrescentam nada à trama ou ao debate sobre
violência urbana e soam desonestos quando em todo o momento a trama claramente
toma partido do protagonista. Quando um personagem descobre as atividades de
Paul, a preocupação do sujeito é que Paul não seja preso, falhando em
questionar, mesmo que uma única vez a moralidade ou eficácia das ações do
personagem, o filme assume como plenamente corretas as ações de seu
protagonista. Isso também é demonstrado na cena de Paul com o sogro em que a
trama tenta equivaler a ação de defender uma fazenda de saqueadores com sair na
rua para matar, quando são situações bem diferentes.
Além dos momentos de discussão
que não levam a lugar nenhum, o filme apresenta alguns personagens e subtramas
que não tem qualquer repercussão na narrativa. Em uma cena vemos o chefe do
policial Kevin (Dean Norris) pressioná-lo para encontrar rapidamente o
vigilante, mas ao final Kevin, mesmo sabendo se tratar de Paul, não resolve sua
investigação e não há qualquer repercussão para isso, fazendo a cena em que ele
é pressionado parecer um desperdício de tempo. Do mesmo modo, o irmão de Paul
interpretado por Vincent D'Onofrio é tão irrelevante para a trama que todas as
cenas dele poderiam ser cortadas e o espectador não perderia nada de essencial,
levantando a questão do porquê o personagem foi incluído no roteiro.
Resta, portanto, a ação e esse
aspecto também não convence. Tudo é burocrático, sem energia e mesmo a crua
violência gráfica é incapaz de causar impacto ou criar algum embate memorável.
Essa falta de energia também é sentida no elenco do filme, que atua no piloto
automático e parece não ver a hora de encerrar as filmagens para receber o
pagamento. Bruce Willis, que há anos vem entregando performances apagadas, tem
uma constante de expressão desinteresse e de que preferia estar em qualquer
outro lugar, isso antes mesmo da família do personagem morrer, então nem dá pra
justificar que é uma escolha de atuação. A impressão de que Paul inicia sua cruzada
não só em busca de vingança, mas também da própria morte, uma dualidade
presente desde o título em inglês, Death
Wish (algo como "desejo de morte"), também está completamente
ausente da composição de Willis ou do roteiro do filme.
Demonstrando que não tem nenhuma
compreensão sobre o que tornou o filme original de 1974 tão memorável ou mesmo
sobre o contexto atual no qual está inserido, Desejo de Matar não oferece praticamente nada a apreciar por conta
de seu texto capenga, personagens rasos e cenas de ação desinteressantes.
Nota: 2/10
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