quarta-feira, 30 de maio de 2018

Crítica - Desejo de Matar


Análise Crítica - Desejo de Matar


Review - Desejo de Matar
Muita gente pode dizer que o principal problema desta nova versão de Desejo de Matar é o timing. Que ser lançado em meio às discussões sobre violência armada abre o filme a questionamentos que talvez não seriam feitos ou percebidos em outros contextos. Não são considerações completamente equivocadas, mas não é somente o timing que torna o filme problemático e mesmo sob um olhar afastado de todo a questão do porte de armas a obra não se sustenta e o que sobra é um produto sem substância que não entende o que tornou o original tão interessante.

Quando se fala em Desejo de Matar, em geral as pessoas lembram das explosivas continuações, mas o primeiro filme, de 1974, tinha uma carga dramática séria e refletia sobre o poder destrutivo da violência. Não havia catarse ou reparação na jornada de Kersey e a violência (dos bandidos, dele próprio) destruía tudo ao seu redor. Essa nova versão não tem nenhum desses componentes e não constrói nenhum tipo de ponderação sobre a violência em nossa sociedade. Não que ele tivesse obrigação de fazer qualquer uma dessas coisas, mas uma vez retirados esses elementos resta apenas uma trama de vingança igual a dúzias de outras que o cinema hollywoodiano produz anualmente.

A narrativa é bem similar ao original de 1974: Paul Kersey (Bruce Willis) é um sujeito pacato que vive feliz com a esposa e a filha. Um dia a família de Paul é assassinada em um assalto que dá errado e vendo que a polícia não resolve o crime, decide ele próprio resolver a situação e caçar os criminosos. Tudo é excessivamente maniqueísta, unidimensional e sem sutileza: bandidos são vermes cruéis e puramente malignos, policiais são incompetentes, mendigos existem meramente como um inconveniente desagradável e não como um problema social, ou seja não há muito esforço em criar personagens interessantes ou situações moralmente complexas.

Logo após a morte da esposa, o filme parece interessado em explorar o luto do personagem, sua dor e seu impacto sobre ele, mas isso logo é abandonado assim que Paul começa sua jornada de vigilantismo e passa a matar criminosos com um sorriso no rosto e frases de efeito. Se a primeira cena dele com a terapeuta era um indicativo de esforço de construção dramática, a cena seguinte, na qual ele vai sorridente para terapia depois de chacinar bandidos, mostra que o diretor Eli Roth só estava interessado em construir essa piada. Tanto, que a terapeuta é esquecida, não volta a aparecer e esse aspecto do personagem nunca mais é citado. Assim, ao invés de ser um viúvo enlutado que recorre à violência em uma tentativa vã de aplacar uma dor que não cede, Paul é um homicida sádico que sente prazer no que faz, tornando difícil torcer por ele. Até a série do Justiceiro da Marvel opera para mostrar que Frank é mentalmente instável e que sua cruzada contra o crime faz pouco para sublimar seus traumas, mas aqui a violência é a resposta e a cura.

Também parece haver uma tentativa de comentar sobre o mercado de armas e a facilidade em obtê-las nos Estados Unidos ao mostrar Paul assistindo alguns comerciais e indo a uma loja de armamentos. Poderia funcionar como uma crítica contundente se logo depois o filme não mostrasse Paul treinando com suas armas ao som de Back in Black do AC/DC, exibindo-o como um herói "fodão" por estar se preparando para matar bandidos e sabotando completamente o argumento das cenas anteriores que satirizava a indústria de armas. Parece que o filme mais coloca esses breves momentos de ponderação, como a cena em que radialistas discutem se um vigilante armado melhora ou piora as coisas, meramente como um artifício para se defender de possíveis críticas de que o filme é meramente uma glorificação da violência armada, sendo que é exatamente isso que ele é e não haveria problema algum se ele simplesmente tentasse sustentar seu ponto de vista ao invés de adotar essa abordagem esquizofrênica de querer agradar todos os tipos de espectador.

Esses breves momentos de "problematização" não acrescentam nada à trama ou ao debate sobre violência urbana e soam desonestos quando em todo o momento a trama claramente toma partido do protagonista. Quando um personagem descobre as atividades de Paul, a preocupação do sujeito é que Paul não seja preso, falhando em questionar, mesmo que uma única vez a moralidade ou eficácia das ações do personagem, o filme assume como plenamente corretas as ações de seu protagonista. Isso também é demonstrado na cena de Paul com o sogro em que a trama tenta equivaler a ação de defender uma fazenda de saqueadores com sair na rua para matar, quando são situações bem diferentes.

Além dos momentos de discussão que não levam a lugar nenhum, o filme apresenta alguns personagens e subtramas que não tem qualquer repercussão na narrativa. Em uma cena vemos o chefe do policial Kevin (Dean Norris) pressioná-lo para encontrar rapidamente o vigilante, mas ao final Kevin, mesmo sabendo se tratar de Paul, não resolve sua investigação e não há qualquer repercussão para isso, fazendo a cena em que ele é pressionado parecer um desperdício de tempo. Do mesmo modo, o irmão de Paul interpretado por Vincent D'Onofrio é tão irrelevante para a trama que todas as cenas dele poderiam ser cortadas e o espectador não perderia nada de essencial, levantando a questão do porquê o personagem foi incluído no roteiro.

Resta, portanto, a ação e esse aspecto também não convence. Tudo é burocrático, sem energia e mesmo a crua violência gráfica é incapaz de causar impacto ou criar algum embate memorável. Essa falta de energia também é sentida no elenco do filme, que atua no piloto automático e parece não ver a hora de encerrar as filmagens para receber o pagamento. Bruce Willis, que há anos vem entregando performances apagadas, tem uma constante de expressão desinteresse e de que preferia estar em qualquer outro lugar, isso antes mesmo da família do personagem morrer, então nem dá pra justificar que é uma escolha de atuação. A impressão de que Paul inicia sua cruzada não só em busca de vingança, mas também da própria morte, uma dualidade presente desde o título em inglês, Death Wish (algo como "desejo de morte"), também está completamente ausente da composição de Willis ou do roteiro do filme.

Demonstrando que não tem nenhuma compreensão sobre o que tornou o filme original de 1974 tão memorável ou mesmo sobre o contexto atual no qual está inserido, Desejo de Matar não oferece praticamente nada a apreciar por conta de seu texto capenga, personagens rasos e cenas de ação desinteressantes.


Nota: 2/10


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