A terceira temporada de Flash foi relativamente morna, mas
terminou com um gancho que prometia grandes mudanças nesta quarta temporada. Com
Barry (Grant Gustin) na Força da Aceleração a série tinha a oportunidade de
usar a ausência dele para desenvolver personagens que não estavam tendo muito
espaço como Wally (Keiynan Lonsdale) e Iris (Candice Patton). Além disso o
anúncio de que a narrativa finalmente teria como principal antagonista na
temporada alguém que não fosse um velocista, o vilão Pensador (Neil
Sandilands), parecia o respiro que Flash precisava
para se renovar depois da cansativa na terceira temporada. Digo parecia porque
a quarta temporada acabou sendo ainda pior. A partir desse ponto, o texto pode
conter SPOILERS da quarta temporada.
Era lógico que Barry não ficaria
preso na Força da Aceleração para sempre, mas eu imaginei que a série levaria
alguns episódios antes de trazê-lo de volta, justamente para que pudéssemos
sentir o peso da ausência dele e que outros personagens pudessem ser
desenvolvidos. Nada disso aconteceu e Barry retornou já no primeiro episódio,
automaticamente tirando qualquer senso de consequência ou peso dramático da
temporada anterior. Se eu esperava que Wally pudesse ter algum tempo para
crescer como personagem, o texto fez o exato oposto, despachando-o subitamente
para a série Legendos of Tomorrow sem
ter dado nada relevante para que Wally fizesse em toda sua participação em Flash.
O antagonista
O vilão Clifford DeVoe, o
Pensador, inicialmente parecia um bom antagonista tanto pela sua habilidade em
sempre estar a um passo a frente do Time Flash quanto pelo trabalho de Neil
Sandilands. O ator construía DeVoe como uma presença serena e eloquente, mas
carregada de gravidade. Além disso, ele confere certa vulnerabilidade ao
personagem, um sujeito cujo corpo está definhando justamente por conta daquilo
que o torna excepcional.
Por volta da metade da temporada,
quando DeVoe armou para prender Barry, realmente achei que ele conseguiria ser
um vilão tão memorável quanto o Flash Reverso da primeira temporada ou o
Exterminador (Manu Bennet) de Arrow,
mas não foi isso que aconteceu. Parte do problema foi a saída de Sandilands do
personagem em virtude de suas trocas de corpo para se manter vivo e nenhum dos
outros atores e atrizes que herdaram o personagem conseguiram fazê-lo tão bem
quanto o primeiro ator. Outro problema foi a demora da trama em explicitar o
plano final do vilão. Mesmo quando ele já tinha conseguido todos os
meta-humanos que queria e recuperou seu corpo original (trazendo o ator Neil
Sandilands de volta), ainda assim a trama demorou a fazê-lo colocar seus planos
em prática, criando obstáculos arbitrários e forçados para justificar o porquê
dele não levar seus objetivos adiante mesmo quando já tinha tudo que precisava.
Os heróis
Boa parte dos personagens to Time
Flash sofreu ao longo da temporada com arcos desinteressantes. Foi difícil
embarcar na trama de Caitlin (Danielle Panabaker) na primeira metade da
temporada envolvendo a vilã Amunet (Katee Sackhoff). A narrativa tenta
construir Amunet como uma antagonista poderosa, capaz de intimidar até mesmo os
membros do Time Flash, mas seus limitados poderes magnéticos nunca a fazem
parecer como a grande ameaça que o texto sugere. Além disso, Katee Sackhoff
compõe Amunet com tanto exagero que ela mais parece uma caricatura risível do
que uma inimiga brutal.
Se essa subtrama era ruim, ficou
ainda pior para Caitlin na segunda metade da temporada quando ela foi separada
de seu alter-ego, a Nevasca. A série sempre mostrou Caitlin como querendo se
ver livre de seus poderes, mas no instante que isso aconteceu, de repente a
personagem se tornou desesperada para reavê-los, mas nem foi isso que tornou o
arco ruim. O que piorou tudo foi quando a trama simplesmente resolveu tirar da
cartola um trauma de infância que nunca tinha sido citado como raiz do
surgimento da Nevasca. A revelação não é apenas desonesta (já que se pode
resolver qualquer problema simplesmente inventando um evento
passado que ninguém nunca mencionou), como também incoerente. Se a Nevasca
sempre fez parte de Caitlin, como ela demorou tanto a se manifestar? Porque a
personalidade não emergiu quando ela viu Ronnie (Robbie Amell) morrer, por exemplo? No
fim, tudo soou como um conflito desnecessário piorado por uma solução
artificial.
Cisco (Carlos Valdes) não teve
uma sorte muito melhor no modo como a temporada tratou o namoro dele com a
Cigana (Jessica Camacho). As cenas dele com o sogro, o caçador de recompensas
Invasor (Danny Trejo), até renderam alguns momentos engraçados, mas a trama de
Cisco e a Cigana nunca parecia ir para lugar algum e, assim como aconteceu com
Wally, a série simplesmente resolveu se desfazer subitamente da personagem ao
invés de fazer o esforço de dar a ela algum material interessante.
Quando falei da temporada
anterior, mencionei que a série precisava encontrar algo para Iris fazer ou
levá-la de volta ao jornalismo. Essa temporada fez as duas coisas e nenhuma
delas funcionou. Quando a temporada começou, foi difícil embarcar na ideia dela
como a líder da equipe ao invés de Cisco ou Caitlin, afinal eles dois são
grandes cientistas, com múltiplos conhecimentos e habilidades enquanto Iris
trabalhou seis meses em um jornal. Sem qualquer construção ela se tornou uma
espécie de "gênio tático" e grande líder do dia para noite enquanto heróis experientes que já arriscam as vidas há anos passaram a acatar as ordens dela sem pestanejar.
Provavelmente a equipe criativa
percebeu que não tinha como levar a personagem para esse lado, já que ela não
tinha muito a oferecer a equipe, e decidiram colocá-la para reativar seu blog
sobre o Flash. Era uma decisão boa, não fosse a ideia de que ela, através de
seu blog, conseguisse satisfatoriamente alertar e convencer toda a cidade sobre
o plano de DeVoe. Como, em tempos de debate sobre fake news e tudo mais, as pessoas dariam tanta credibilidade a um
blog de internet com uma teoria maluca sobre um professor universitário usando
satélites para destruir toda a tecnologia e emburrecer a população? Se ela já fosse
uma repórter célebre (algo que a narrativa nunca estabeleceu) ou trabalhasse
para um grande jornal, isso faria sentido, mas não foi o caso.
Por sua vez, o arco de Barry
ensinando Ralph Dibny (Hartley Sawyer) a ser um herói soou como uma repetição
da trama de Barry treinando Wally e não teve muito a acrescentar a nenhum dos
dois personagens. Hartley Sawyer conseguiu tornar Ralph um personagem divertido
com seu charme canalha e conseguiu criar um momento emotivo quando o personagem
foi dominado por DeVoe, mas sua trama foi derivativa demais para envolver como
deveria. Que melhor momento de Barry na temporada foi um que não tinha relação
com qualquer uma das tramas principais é um testamento do quanto a maioria dos
arcos narrativos desse quarto ano foram equivocados. O episódio quinze, Enter Flashtime, era uma história
praticamente autocontida, que nos envolvia pelo modo como explorava com engenhosidade
as possibilidades dos poderes do Flash e nos fazia ver o mundo sob os olhos
dele.
Quem continua sendo a melhor
coisa da série é Tom Cavanagh como as muitas versões de Wells. As cenas do
"Conselho dos Wells" não só renderam boas piadas, como evidenciam a
versatilidade do ator. Cavanagh também foi eficiente ao retratar a perda de
inteligência de Wells na segunda metade da temporada, acertando tanto nos
momentos em que os problemas do personagem eram usados para fins cômicos quanto
nos momentos mais dramáticos, nos quais ele nos fazia sentir a dor de Harry ao
ver seu único e principal dom escapando de si. Ele também teve algumas boas
interações com Cecile (Danielle Nicolet), apesar da trama dela receber poderes durante a
gravidez ter sido aleatória e descartável. Sim, Cecile ajudou o time no
episódio final, mas o roteiro poderia ter sido construído ao redor das
habilidades de Cisco e não faria muita diferença.
O péssimo final
O final da temporada, já que
falei dele, foi tão decepcionante e mal concebido quanto o péssimo final da
quarta temporada de Arrow. O
penúltimo episódio conseguiu me deixar empolgado com o desfecho ao mostrar
DeVoe invadindo uma base militar e matando todo mundo em uma das melhores cenas
de ação da série inteira, mas o confronto final entre ele o Flash foi bastante
anticlimático.
A primeira coisa que falha no
desfecho é o senso de escala. Diferente dos outros vilões da série, DeVoe é uma
ameaça para o mundo inteiro e não apenas para a cidade ou os entes queridos de
Barry, mas ao invés de nos fazer sentir essa devastação e caos em escala global
a narrativa resolve colocar Barry dentro da mente do vilão, diminuindo o escopo que o próprio roteiro tinha ampliado. O confronto final, com Barry e Ralph
enfrentando os clones do vilão, pareceu uma xerox piorada da luta de Neo contra
os agentes Smith em Matrix Reloaded
(2003), o que é bem problemático considerando que a computação gráfica usada lá
já era considerada artificial na época em que foi lançada.
O texto tenta vender a ideia de
que a vitória foi um mérito coletivo do Time Flash, mas é difícil comprar esse
argumento quando tudo pode ser resumido a Barry correndo rápido o suficiente
para atravessar um portal. Deveria ser uma vitória coletiva, com o time
juntando suas habilidades e conhecimentos para mostrar ao vilão que nem toda a
inteligência do mundo é capaz de superar o trabalho em equipe, a amizade e a
força de vontade, mas foi a mesma resolução "Barry usa sua velocidade"
de sempre.
Por um instante cheguei a pensar
que essa não seria a vitória final quando DeVoe se digitalizou e começou a se
espalhar pelos computadores, mas em questão de segundos isso foi resolvido com
Marlize (Kim Engelbrecht) destruindo a cadeira dele. Eu entendo que era
necessário dar um momento de redenção para Marlize depois dela ter ajudado o
Pensador a temporada inteira, mas a cena não fez o menor sentido. Se DeVoe já estava se
espalhando pelos computadores (portanto estava na internet e plenamente
digital), como destruir a cadeira apagaria sua consciência digitalizada? Se sua
mente estava "presa" à cadeira e ele controlava os computadores com
seus poderes, então DeVoe não é tão inteligente quanto deveria, já que é uma
vulnerabilidade óbvia e estúpida.
Os minutos finais enfim revelaram
a identidade da garota misteriosa que vinha interagindo com os personagens ao
longo da temporada, mas a esse ponto já era óbvio que ela era uma parente de
Barry vinda do futuro e introduzi-la literalmente no último minuto só para
deixar um gancho fez todas as cenas da personagem ao longo da temporada
parecerem uma imensa perda de tempo. Ela poderia ter aparecido só nesse último
episódio para ajudar Barry com o satélite de DeVoe (mais uma oportunidade
desperdiçada de ressaltar o trabalho do time, colocando Barry para cuidar de
tudo sozinho) que não teria feito a menor diferença.
A quarta temporada de Flash falhou em aproveitar o gancho
deixado pela anterior e ao invés de cumprir a promessa de retornar a série ao
ótimo nível dos seus primeiros dois anos apenas sedimentou a queda em sua
qualidade, tal qual a quarta temporada de Arrow.
Flash era a única das séries do
"Arrowverse" que eu continuava a acompanhar, mas depois do resultado
dessa temporada mais recente é bem provável que eu não assista o quinto ano.
Nota: 4/10
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