quarta-feira, 13 de junho de 2018

Crítica – Entre-Laços


Análise Crítica – Entre-Laços


Review – Entre-Laços
Conhecido por seu desenvolvimento tecnológico e por suas cidades cosmopolitas, o Japão ainda é um país patriarcal e tradicionalista e, com isso, não deixa de exibir uma certa parcela de preconceitos em relação a algumas minorias. Este Entre-Laços, da diretora Naoko Ogigami, toca na questão das dificuldades vivenciadas pela população transgênero do país.

A narrativa começa quando a garota Tomo (Rin Kakihara) é abandonada pela mãe e vai morar com o tio, Makio (Kenta Kiritani), e lá descobre que ele agora vive com Rinko (Tôma Ikuta), uma mulher transgênero. Tomo fica receosa com a nova companheira do tio, mas logo se aproxima de Rinko conforme ela lhe dá o afeto e cuidado que sua mãe biológica nunca lhe deu.

Filmado em planos estáticos, com quase nenhum movimento de câmera, poucos cortes, pouco uso de música e constantes elipses temporais. Esse estilo remete aos filmes do seminal cineasta japonês Yasujiro Ozu que, tal qual Ogigami neste filme, também focava seus filmes nas relações familiares e conflitos geracionais. A escolha não parece ser um acidente, mas uma decisão deliberada de reverberar o legado do cineasta ao mesmo tempo em que moderniza seus temas.

Ainda que as constantes elipses façam tudo parecer incomodamente episódico, o modo como Ogigami filma nos faz sentir como parte do cotidiano daquela família, sentados com eles durante as refeições ou deitados ao lado dele em seus colchões. A pouca presença de música permite que a emotividade emerja com naturalidade dos atores e atrizes, nos deixando perceber a ternura que vai se construindo entre Rinko e Tomo. A trama não apresenta momentos grandiosos de drama ou catarse, mas vai construindo esses sentimentos de modo sutil e com delicadeza. Um exemplo é a cena em que Tomo retorna a sua casa e começa a chorar enquanto cheira as roupas da mãe, rasgando-as logo em seguida, denotando a carência e raiva vivenciadas pela menina.

Se, por um lado, Tomo aceita Rinko sem muitos problemas, Makio também não tem qualquer questão com o fato da amada ser transgênero e a própria mãe de Rinko aceitou sem dificuldades a transição da filha e a ajudou durante o processo, isso não significa que essa família não precise lidar com preconceitos. A presença desses preconceitos começa a ser vista nas pequenas coisas, como o fato de Rinko não conseguir trocar seus documentos para constarem o sexo feminino, continuando a ser considerada juridicamente homem apesar de já ser até operada, demonstrando como o Estado nega a reconhecer a identidade dessas pessoas.

O preconceito também é visto através das cenas de Tomo com a mãe de Kai (Kaito Komie), colega de escola de Tomo. No início do filme Kai é mostrado como um garoto rejeitado pelos colegas, que o tratam como esquisito, mas Tomo vai percebendo que ele é como sua madrasta, alguém que não se identifica com seu gênero biológico. Se Rinko encontrou aceitação em sua mãe, Kai não tem a mesma sorte ao ver sua própria mãe chamar Rinko de “esquisitona” ao vê-la com Tomo em um supermercado.

Tôma Ikuta é ótimo como Rinko, conferindo a ela uma serenidade que a faz se manter firme mesmo diante de preconceitos, mas deixando leves indicadores que ela ainda se incomoda e se envergonha em ter que passar por certas situações. Ela é alguém que já aprendeu a lidar com a raiva e frustração de viver em uma sociedade que ainda não a aceita plenamente sem deixar que isso a abale. Isso fica evidente no agridoce desfecho do filme, no qual ela reafirma a Tomo sua condição de mulher ainda que os eventos deixem claro que a personagem está longe de viver livre de ser algo de discriminação.

Cheio de delicadeza e afeto, Entre-Laços constrói um envolvente olhar sobre a vida da população transgênero no Japão.


Nota: 8/10


Trailer

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