O final da primeira temporada de Westworld deixava um gancho instigante
para o segundo ano da série, prometendo o início da rebelião dos “anfitriões”
do parque contra os humanos que os controlavam. Essa segunda temporada entrega
exatamente o que prometia, ainda que ocasionalmente seja prejudicada por alguns
problemas de ritmo.
Assim como no ano de estreia, a
segunda temporada mistura diferentes níveis temporais. O primeiro episódio
começa com Bernard (Jeffrey Wright) acordando em uma praia semanas depois do
início da rebelião, quando os reforços da corporação Delos (que administra o
parque) chegaram para tentar resolver a situação. Bernard não lembra como
chegou até ali ou o que aconteceu, mas a trama volta no tempo para nos mostrar
como Dolores (Evan Rachel Wood) planejava chegar em um lugar chamado “A Forja”,
que seria capaz de libertar os anfitriões do parque e derrubar a raça humana de
uma vez por todas. Ao mesmo tempo William (Ed Harris), o homem de preto, também
busca o mesmo local, desejando os segredos que Ford (Anthony Hopkins) escondeu
ali. Outro grande arco narrativo é o de Maeve (Thandie Newton) em busca da
filha.
Se na primeira temporada os
deslocamentos temporais eram costurados com certa organicidade e necessários
para o arco dramático de Dolores, o mesmo não pode ser dito dos jogos de
temporalidade feitos nesta temporada. Em muitos casos a alternância de tempos
serve mais como uma tentativa desonesta de ocultar informação do público, numa
tentativa de evitar que fóruns de discussão da internet (que dissecam cada
fotograma de cada episódio) conseguissem antecipar as principais reviravoltas.
Assim, o efeito é menos o de uma
estrutura feita para imergir o espectador no estado de desorientação dos seus
personagens e mais um exercício vazio de hermetismo, feito mais para criar
barreiras para a audiência do que para enriquecer sua experiência. É um
expediente mesquinho, visando punir o público (na verdade parte dele, mas afetando a todos) por sua atenção e dedicação à
série. Afinal, cada um aprecia como achar melhor e ninguém é obrigado a
participar de fóruns de discussão ou rever cada episódio dezenas de vezes para
antecipar as reviravoltas, eu mesmo não faço isso. Durante boa parte da
temporada não consegui afastar a impressão de que a trama poderia ser contada
em ordem cronológica sem qualquer problema.
Apesar do ocasional hermetismo de
seus joguetes temporais, Westworld
continua suscitando indagações consistentes sobre a natureza humana, livre
arbítrio e o que significa ter consciência. Dolores, por exemplo, clama querer
libertar os anfitriões, mas faz isso de maneira autoritária, muitas vezes
forçando seus aliados a fazerem o que ela quer, algo que fica evidente quando
ela reprograma Teddy (James Marsden). O arco dela de algum modo ecoa o de
William, já que assim como aconteceu com Dolores e Teddy, as obsessões de
William destroem a relação dele com a esposa e filha.
Maeve, por outro lado, mesmo
sendo capaz de reprogramar outros anfitriões de maneira, digamos, telepática,
usa suas habilidades apenas para se defender, evitando forçar as condutas dos
outros para seguirem seus desígnios. A personagem entende o valor da liberdade
e da importância de fazer escolhas por conta própria, o que a coloca em
oposição a Dolores quando as duas se encontram.
O arco de Maeve, por sinal, serve
também para expandir o universo da série, levando os personagens a outros
parques similares ao Westworld, como o Shogunworld, que é baseado no Japão
feudal. A incursão ao parque japonês serve como uma espécie de comentário
metalinguístico sobre a indústria do entretenimento e como essa indústria vende
as mesmas histórias para o mesmo público, mudando apenas a roupagem para dar
uma falsa impressão de novidade.
Isso é mostrado não só pela
cidade do Shogunworld ter a mesma estrutura e tipos de personagem como fica
evidenciado pela cena do assalto perpetrado por Musashi (Hiroyuki Sanada). A
cena é inteiramente filmada com os mesmos enquadramentos, duração de planos e
cortes que o assalto cometido por Hector (Rodrigo Santoro) na primeira temporada,
inclusive usando a mesma música (uma versão instrumental de Paint it Black dos Rolling Stones), com
uma orquestração diferente usando instrumentos que dão um caráter oriental à
peça musical. Os parques literalmente vendem as mesmas histórias e experiências
para um público que as consomem sem perceber ou se importar com a repetição,
não muito diferente do que acontece com a produção audiovisual do mundo real.
Essa noção de que os humanos, tal
qual os anfitriões do parque antes se livrarem de suas programações, vivem
presos em loops comportamentais
sempre fazendo as mesmas coisas e tomando as mesmas decisões também é explorado
quando a narrativa revela o projeto secreto da corporação Delos com o parque.
Eles usavam o parque para coletar os dados comportamentais dos usuários na
esperança de poderem replicar a mente humana, transportando-a para um corpo
robótico e assim conferindo imortalidade. O que a Delos descobre é que não
importa quantas vezes você recrie alguém, eles sempre agirão da mesma forma e
chegarão aos mesmos resultados, o que levanta questões sobre livre-arbítrio.
Afinal, se sempre fazemos as mesmas coisas somos realmente livres?
Livre-arbítrio não seria a capacidade de transformar os nossos padrões
comportamentais? São indagações instigantes e a série é esperta o bastante para
reconhecer sua complexidade e não dar respostas definitivas. A ideia da Delos
coletar os dados dos usuários e usá-los para fins secretos também reverbera
questões de privacidade e como somos constantemente vigiados por corporações
(como sites de busca e redes sociais) que armazenam nossos hábitos de uso e
consumo sabe-se lá para quais fins.
A expansão do universo da série
também mostra alguns outros parques, como um baseado na Índia colonial, e
também revela mais sobre o passado de personagens que até então sabíamos muito
pouco, em especial Akecheta (Zahn McClaron), o líder da comunidade indígena
conhecida como Nação Fantasma. Se até então eles eram meramente selvagens
sanguinários, o episódio Kiksuya
mostra a origem trágica de Akecheta, um anfitrião que já tinha despertado e se
libertado de sua programação muito antes das ações de Ford na temporada
anterior. É estranho que um esse tenha episódio tenha sido o antepenúltimo da
temporada considerando que a trama vinha num crescente acelerando rumo à
conclusão para simplesmente interromper esse fluxo narrativo bruscamente de
modo a voltar ao passado para expandir um personagem secundário. Não deixa, no
entanto, de ser um bom episódio.
Mesmo com ocasionais problemas de
ritmo e um excesso de hermetismo, a segunda temporada de Westworld continua sendo um instigante e complexo estudo sobre
consciência e livre-arbítrio.
Nota: 8/10
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