terça-feira, 26 de junho de 2018

Crítica – Westworld: 2ª Temporada

Análise Crítica – Westworld: 2ª Temporada


Review – Westworld: 2ª Temporada
O final da primeira temporada de Westworld deixava um gancho instigante para o segundo ano da série, prometendo o início da rebelião dos “anfitriões” do parque contra os humanos que os controlavam. Essa segunda temporada entrega exatamente o que prometia, ainda que ocasionalmente seja prejudicada por alguns problemas de ritmo.

Assim como no ano de estreia, a segunda temporada mistura diferentes níveis temporais. O primeiro episódio começa com Bernard (Jeffrey Wright) acordando em uma praia semanas depois do início da rebelião, quando os reforços da corporação Delos (que administra o parque) chegaram para tentar resolver a situação. Bernard não lembra como chegou até ali ou o que aconteceu, mas a trama volta no tempo para nos mostrar como Dolores (Evan Rachel Wood) planejava chegar em um lugar chamado “A Forja”, que seria capaz de libertar os anfitriões do parque e derrubar a raça humana de uma vez por todas. Ao mesmo tempo William (Ed Harris), o homem de preto, também busca o mesmo local, desejando os segredos que Ford (Anthony Hopkins) escondeu ali. Outro grande arco narrativo é o de Maeve (Thandie Newton) em busca da filha.


Se na primeira temporada os deslocamentos temporais eram costurados com certa organicidade e necessários para o arco dramático de Dolores, o mesmo não pode ser dito dos jogos de temporalidade feitos nesta temporada. Em muitos casos a alternância de tempos serve mais como uma tentativa desonesta de ocultar informação do público, numa tentativa de evitar que fóruns de discussão da internet (que dissecam cada fotograma de cada episódio) conseguissem antecipar as principais reviravoltas.

Assim, o efeito é menos o de uma estrutura feita para imergir o espectador no estado de desorientação dos seus personagens e mais um exercício vazio de hermetismo, feito mais para criar barreiras para a audiência do que para enriquecer sua experiência. É um expediente mesquinho, visando punir o público (na verdade parte dele, mas afetando a todos) por sua atenção e dedicação à série. Afinal, cada um aprecia como achar melhor e ninguém é obrigado a participar de fóruns de discussão ou rever cada episódio dezenas de vezes para antecipar as reviravoltas, eu mesmo não faço isso. Durante boa parte da temporada não consegui afastar a impressão de que a trama poderia ser contada em ordem cronológica sem qualquer problema.

Apesar do ocasional hermetismo de seus joguetes temporais, Westworld continua suscitando indagações consistentes sobre a natureza humana, livre arbítrio e o que significa ter consciência. Dolores, por exemplo, clama querer libertar os anfitriões, mas faz isso de maneira autoritária, muitas vezes forçando seus aliados a fazerem o que ela quer, algo que fica evidente quando ela reprograma Teddy (James Marsden). O arco dela de algum modo ecoa o de William, já que assim como aconteceu com Dolores e Teddy, as obsessões de William destroem a relação dele com a esposa e filha.

Maeve, por outro lado, mesmo sendo capaz de reprogramar outros anfitriões de maneira, digamos, telepática, usa suas habilidades apenas para se defender, evitando forçar as condutas dos outros para seguirem seus desígnios. A personagem entende o valor da liberdade e da importância de fazer escolhas por conta própria, o que a coloca em oposição a Dolores quando as duas se encontram.

O arco de Maeve, por sinal, serve também para expandir o universo da série, levando os personagens a outros parques similares ao Westworld, como o Shogunworld, que é baseado no Japão feudal. A incursão ao parque japonês serve como uma espécie de comentário metalinguístico sobre a indústria do entretenimento e como essa indústria vende as mesmas histórias para o mesmo público, mudando apenas a roupagem para dar uma falsa impressão de novidade.

Isso é mostrado não só pela cidade do Shogunworld ter a mesma estrutura e tipos de personagem como fica evidenciado pela cena do assalto perpetrado por Musashi (Hiroyuki Sanada). A cena é inteiramente filmada com os mesmos enquadramentos, duração de planos e cortes que o assalto cometido por Hector (Rodrigo Santoro) na primeira temporada, inclusive usando a mesma música (uma versão instrumental de Paint it Black dos Rolling Stones), com uma orquestração diferente usando instrumentos que dão um caráter oriental à peça musical. Os parques literalmente vendem as mesmas histórias e experiências para um público que as consomem sem perceber ou se importar com a repetição, não muito diferente do que acontece com a produção audiovisual do mundo real.

Essa noção de que os humanos, tal qual os anfitriões do parque antes se livrarem de suas programações, vivem presos em loops comportamentais sempre fazendo as mesmas coisas e tomando as mesmas decisões também é explorado quando a narrativa revela o projeto secreto da corporação Delos com o parque. Eles usavam o parque para coletar os dados comportamentais dos usuários na esperança de poderem replicar a mente humana, transportando-a para um corpo robótico e assim conferindo imortalidade. O que a Delos descobre é que não importa quantas vezes você recrie alguém, eles sempre agirão da mesma forma e chegarão aos mesmos resultados, o que levanta questões sobre livre-arbítrio. Afinal, se sempre fazemos as mesmas coisas somos realmente livres? Livre-arbítrio não seria a capacidade de transformar os nossos padrões comportamentais? São indagações instigantes e a série é esperta o bastante para reconhecer sua complexidade e não dar respostas definitivas. A ideia da Delos coletar os dados dos usuários e usá-los para fins secretos também reverbera questões de privacidade e como somos constantemente vigiados por corporações (como sites de busca e redes sociais) que armazenam nossos hábitos de uso e consumo sabe-se lá para quais fins.

A expansão do universo da série também mostra alguns outros parques, como um baseado na Índia colonial, e também revela mais sobre o passado de personagens que até então sabíamos muito pouco, em especial Akecheta (Zahn McClaron), o líder da comunidade indígena conhecida como Nação Fantasma. Se até então eles eram meramente selvagens sanguinários, o episódio Kiksuya mostra a origem trágica de Akecheta, um anfitrião que já tinha despertado e se libertado de sua programação muito antes das ações de Ford na temporada anterior. É estranho que um esse tenha episódio tenha sido o antepenúltimo da temporada considerando que a trama vinha num crescente acelerando rumo à conclusão para simplesmente interromper esse fluxo narrativo bruscamente de modo a voltar ao passado para expandir um personagem secundário. Não deixa, no entanto, de ser um bom episódio.

Mesmo com ocasionais problemas de ritmo e um excesso de hermetismo, a segunda temporada de Westworld continua sendo um instigante e complexo estudo sobre consciência e livre-arbítrio.


Nota: 8/10

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