Centrado na história da FIFA, a
federação internacional de futebol, este United
Passions é um daqueles filmes que estará sempre cercado de infâmia. Parte
disso porque ele já entrou para a história como uma das menores bilheterias de
todos os tempos, tendo arrecadado apenas cerca de 600 dólares em seu final de
semana de estreia e saído de cartaz depois de uma semana sendo exibido em
apenas um cinema nos Estados Unidos. Outra parte das razões dele ser tão infame
diz respeito ao momento de seu lançamento, meros dias antes de Joseph Blatter
(um dos personagens principais do filme) e outros membros da alta cúpula da
FIFA terem sido presos ou indiciados por desvios de dinheiro, aceitar subornos
e outros crimes, praticamente destruindo qualquer interesse do público em
conferir um filme que retrata esses cartolas do futebol como heróis virtuosos.
Por fim, a terceira razão pela qual United
Passions viverá sempre em infâmia é que ele é muito, muito, mas muito ruim,
dolorosa e excruciantemente ruim, desgraçadamente ruim e mesmo que tivesse sido
lançado em um momento menos prejudicial para sua imagem ainda assim teria sido
execrado.
A trama acompanha a trajetória da
FIFA e segue seus três principais diretores: Jules Rimet (Gerard Depardieu),
João Havelange (Sam Neill) e Joseph “Sepp” Blatter (Tim Roth). Era de se
imaginar que um filme sobre a maior federação de futebol do mundo fosse falar
da importância do esporte, do que torna o futebol especial, que tentasse
entender as razões pelo esporte despertar tantas paixões e unir tantas pessoas
ao redor dele, mas nada disso parece interessar à narrativa.
Se você entrou para assistir esse
filme sem saber muito sobre o esporte, ao final não terá aprendido muito mais,
já que nem mesmo as regras ou como uma partida funciona são explicados. O
futebol em si é quase invisível ao longo do filme e ele se passa quase que integralmente
em salas de reunião com cartolas engravatados decidindo onde será a próxima
Copa do Mundo ou reclamando de falta de dinheiro como se eles não fossem uma
entidade bilionária.
O filme apresenta uma sucessão
semi-incoerente de cenas que não são ligadas por qualquer elo causal ou
temático saltando de um momento histórico para outro sem qualquer critério
através de cenas que não tem nenhum outro propósito além de tentar retratar, de
maneira exagerada e pouco sutil, os grandes homens que foram os dirigentes da
FIFA.
Em um momento vemos a realização
da primeira Copa do Mundo no Uruguai em 1930, no seguinte vemos uma reunião da
FIFA em 1942 na qual Jules Rimet se mostra preocupado com uma guerra com a
Alemanha nazista, incluindo uma cena com ele de joelhos diante de um crucifixo
rezando pela melhora do mundo, pintando-o sem qualquer sutileza e extrema cara
de pau como uma espécie de santo ou mártir. Logo depois o filme pula para a
final da Copa de 50 no Brasil, mostrando a derrota do nosso país para o Uruguai
(qual a razão disso ser importante para a história da FIFA? O filme nunca
esclarece), pulando logo depois para a morte de Jules Rimet.
Mesmo ignorando o problema de uma
película sobre futebol se importar tão pouco com o esporte cuja paixão tenta
retratar, a narrativa também não exibe qualquer grande interesse em nos fazer
entender como a FIFA funciona ou o que ela faz exatamente além de organizar
torneios e encher os bolsos dos dirigentes. Vemos os personagens falarem da
importância de espalhar o futebol pelo mundo, de combater o racismo,
preconceitos e os torcedores hooligans,
mas nunca é explicitado como isso é feito exatamente, quais as ações ou metas
da entidade para tal e, considerando que a obra é mais uma cínica publicidade
corporativa do que um drama histórico, essas ausências vão contra o próprio
propósito e razão de existir do filme.
Além de não fazer muito sentido, United Passions é extremamente
entediante. Em quase 100 minutos não há nenhum tipo de conflito, drama ou risco
para seus personagens. Esses sujeitos não são desenvolvidos de nenhuma maneira
e o roteiro não faz qualquer esforço para tentar compreender o que impele
pessoas como Rimet, Havelange e Blatter ou de onde vem o grande comprometimento
que eles têm com o esporte. Os atores entregam performances automáticas e
desinteressadas, como se estivessem ali só pelo pagamento (e provavelmente
estavam). O texto simplesmente os trata como grandes homens e pede que os
vejamos como tal sem nos dar qualquer razão para isso além de discursos vazios
que os fazem parecer enérgicos e comprometidos, mas que não tem efetivamente
nada a dizer sobre o tema contido neles.
Um exemplo é a cena em que
Blatter fala que não irá tolerar corrupção, que sabe que existem “maçãs
podres”, mas que agora todos terão que seguir as regras dele e não haverá mais
espaço para subornos e desvios de dinheiro. A cena inteira é feita para fazer
Blatter parecer um grande e honesto líder (o que ganha contornos cômicos quando
sabemos que ele foi indiciado por desvio e lavagem de dinheiro em diferentes
países), mas não diz efetivamente nada sobre a presença da corrupção na
entidade, não diz quem a comete, como é cometida ou quais medidas Blatter
tomará para combater o problema (considerando as múltiplas prisões de dirigentes,
imagino que nenhuma). Assim, a cena dá uma impressão de comprometimento e
retidão moral sem, no entanto, mostrar esses personagens agindo sobre o
problema, o que faz tudo soar inócuo, desonesto e condescendente.
Isso fica ainda mais evidente nas
cenas de coletivas de imprensa envolvendo Blatter ou Havelange nos quais
jornalistas perguntam sobre corrupção ou sobre erros de arbitragem que
comprometem resultados das partidas e embora essas sejam perguntas legítimas, o
filme as trata como uma perseguição injustificada. Com extremo e caricatural
maniqueísmo, os cartolas da FIFA são enquadrados como coitados sendo
intimidados por repórteres malvados, algo que soaria desonesto mesmo que não
soubéssemos das condenações de dirigentes por corrupção.
Há desonestidade também no modo
como o filme ignora declarações mais polêmicas desses personagens no mundo
real, como a vez em que Blatter, durante uma entrevista, falou que os uniformes
do futebol feminino deveriam ser mais curtos e mostrar mais do corpo das atletas.
No filme, porém, Blatter é enquadrado como um homem comprometido em enfrentar a
discriminação embora não o mostre tomando nenhuma ação efetiva para tal.
Era de se imaginar que o filme
trouxesse cenas enérgicas de partidas de futebol para mostrar o porquê do
esporte mobilizar tantos fãs e tantos afetos, mas isso não acontece. Não só o
futebol aparece muito pouco como nos momentos em que ele aparece é tudo tão mal
filmado e montado que faz tudo parecer confuso e aborrecido. A final da Copa de
50 é mostrada a partir das reações do público nas arquibancadas e das palavras
de um narrador, com alguns brevíssimos momentos de atores encenando a partida
displicentemente jogados no meio disso tudo. As finais de 70 e 78 são
retratadas através de breves imagens de arquivo organizadas de maneira tão
picotada que chega a ser difícil entender o que está fazendo, falhando em
transmitir a empolgação e habilidade das grandes jogadas de Pelé ou Maradona,
dois jogadores citados em diálogos ao longo do filme, mas que praticamente não
aparecem (porque o filme comete o erro de achar que os cartolas são mais
importantes que os jogadores) e nunca tem a sua referida genialidade como
jogadores mostrada ao público.
United Passions é uma das piores experiências que tive com um filme
em toda minha vida. Cada minuto, cada segundo, cada fotograma é dolorosamente
excruciante e ao final sinto que parte da minha alma, da minha alegria de viver e da minha humanidade
foram destruídas por essa obra hedionda. Eu preferiria fazer um tratamento de
canal sem anestesia ou assistir The Room uma
centena de vezes a ter que assistir United
Passions novamente. É um desserviço ao cinema tanto quanto é um desserviço
ao futebol e qualquer pessoa envolvida em sua realização deveria se envergonhar
de ter contribuído para dar vida a uma aberração atroz como essa.
Trailer
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