Uma animação stop-motion sobre um garoto em busca de seu cachorro perdido parece
soar como uma aventura ingênua e afetuosa. Ilha
dos Cachorros não deixa de ser isso, mas também é uma reflexão sobre a
retórica fascista e como governos autoritários conseguem legitimar o extermínio
de minorias.
A narrativa se passa em um futuro
próximo no Japão. O governante local declarou todos os cachorros como uma
ameaça à saúde pública por eles carregarem diferentes doenças e decide enviar todos
os cachorros para uma remota ilha de modo a livrar a sociedade da praga desses
animais. O garoto Atari (Koyu Rankin), no entanto, decide ir até a ilha para
resgatar seu cachorro Spots (Liev Schreiber). Lá ele encontra a matilha
liderada por Chief (Bryan Cranston) e acaba recebendo ajuda deles para
encontrar Spots. Na ilha Atari também vai aos poucos descobrindo que exilar os
animais na ilha foi só o primeiro passo do governo em um plano maior para o
extermínio completo dos cachorros e que o atual governante pertente a uma longa
dinastia que ama gatos e odeia cães.
Se toda a ideia de um governo
querer exterminar um determinado grupo movido puramente por ódio e usando
justificativas alarmistas que visam fomentar o medo na população em relação ao
grupo que se deseja exterminar parece leviana ou surreal, saibam que foi
exatamente isso que aconteceu na maioria dos regimes autoritários que
promoveram o genocídio ou exclusão de minorias. Os nazistas concebiam os judeus
como uma ameaça ao Reich e ao povo alemão. O governo de maioria hutu na Ruanda
também concebeu a minoria tutsi como uma ameaça à nação que deveria ser
exterminada, promovendo o assassinato em massa dessa etnia. De certa forma é
também isso que faz o atual governo dos EUA ao conceber os mexicanos como
criminosos e estupradores, fomentando o medo e tentando colocar a população
contra membros dessa minoria.
Assim, Ilha dos Cachorros consegue construir uma metáfora atemporal sobre
a lógica e a construção retórica dos regimes autoritários que elegem um
determinado grupo social como inimigo e fomentam o medo só para exercer o
controle da população. Parece uma trama sombria demais para uma animação sobre
uma criança procurando um cachorro perdido, mas assim como em O Grande Hotel Budapeste (2014), que tratava
da chegada da guerra a um país europeu, o diretor Wes Anderson preenche esse
universo com personagens excêntricos, bem humorados e um senso genuíno de
afeto, em especial no modo como desenvolve a relação entre Atari e Chief. O
senso de humor vem principalmente do elenco de dublagem, composto por nomes
como Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton e Scarlett Johansson, que é
preciso no timing cômico de cada
diálogo sarcástico.
O design de produção também contribui para essa leveza e senso
pitoresco de aventura, seja na criação dos cães-robôs usados pelo governo ou no
modo como cria visualmente as lutas entre os personagens com uma nuvem de patas
e rostos se emaranhando tal qual um desenho animado antigo. Como de costume na
filmografia do diretor, também temos a simetria em seus planos perfeitamente
centralizados e constantes usos de cores em degradê como acontece com os
frascos coloridos nas cenas do laboratório. Desta maneira, a trama cria uma
aventura colorida e engraçada, mas que nunca perde de vista a seriedade dos
temas que aborda.
Ilha dos Cachorros tem toda a excentricidade e sensibilidade que se
espera de um filme do Wes Anderson, trazendo ainda uma inesperada reflexão
sobre a retórica do autoritarismo.
Nota: 8/10
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