terça-feira, 17 de julho de 2018

Crítica - Ilha dos Cachorros


Análise Crítica - Ilha dos Cachorros


Review - Ilha dos Cachorros
Uma animação stop-motion sobre um garoto em busca de seu cachorro perdido parece soar como uma aventura ingênua e afetuosa. Ilha dos Cachorros não deixa de ser isso, mas também é uma reflexão sobre a retórica fascista e como governos autoritários conseguem legitimar o extermínio de minorias.

A narrativa se passa em um futuro próximo no Japão. O governante local declarou todos os cachorros como uma ameaça à saúde pública por eles carregarem diferentes doenças e decide enviar todos os cachorros para uma remota ilha de modo a livrar a sociedade da praga desses animais. O garoto Atari (Koyu Rankin), no entanto, decide ir até a ilha para resgatar seu cachorro Spots (Liev Schreiber). Lá ele encontra a matilha liderada por Chief (Bryan Cranston) e acaba recebendo ajuda deles para encontrar Spots. Na ilha Atari também vai aos poucos descobrindo que exilar os animais na ilha foi só o primeiro passo do governo em um plano maior para o extermínio completo dos cachorros e que o atual governante pertente a uma longa dinastia que ama gatos e odeia cães.


Se toda a ideia de um governo querer exterminar um determinado grupo movido puramente por ódio e usando justificativas alarmistas que visam fomentar o medo na população em relação ao grupo que se deseja exterminar parece leviana ou surreal, saibam que foi exatamente isso que aconteceu na maioria dos regimes autoritários que promoveram o genocídio ou exclusão de minorias. Os nazistas concebiam os judeus como uma ameaça ao Reich e ao povo alemão. O governo de maioria hutu na Ruanda também concebeu a minoria tutsi como uma ameaça à nação que deveria ser exterminada, promovendo o assassinato em massa dessa etnia. De certa forma é também isso que faz o atual governo dos EUA ao conceber os mexicanos como criminosos e estupradores, fomentando o medo e tentando colocar a população contra membros dessa minoria.

Assim, Ilha dos Cachorros consegue construir uma metáfora atemporal sobre a lógica e a construção retórica dos regimes autoritários que elegem um determinado grupo social como inimigo e fomentam o medo só para exercer o controle da população. Parece uma trama sombria demais para uma animação sobre uma criança procurando um cachorro perdido, mas assim como em O Grande Hotel Budapeste (2014), que tratava da chegada da guerra a um país europeu, o diretor Wes Anderson preenche esse universo com personagens excêntricos, bem humorados e um senso genuíno de afeto, em especial no modo como desenvolve a relação entre Atari e Chief. O senso de humor vem principalmente do elenco de dublagem, composto por nomes como Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton e Scarlett Johansson, que é preciso no timing cômico de cada diálogo sarcástico.

O design de produção também contribui para essa leveza e senso pitoresco de aventura, seja na criação dos cães-robôs usados pelo governo ou no modo como cria visualmente as lutas entre os personagens com uma nuvem de patas e rostos se emaranhando tal qual um desenho animado antigo. Como de costume na filmografia do diretor, também temos a simetria em seus planos perfeitamente centralizados e constantes usos de cores em degradê como acontece com os frascos coloridos nas cenas do laboratório. Desta maneira, a trama cria uma aventura colorida e engraçada, mas que nunca perde de vista a seriedade dos temas que aborda.

Ilha dos Cachorros tem toda a excentricidade e sensibilidade que se espera de um filme do Wes Anderson, trazendo ainda uma inesperada reflexão sobre a retórica do autoritarismo.


Nota: 8/10


Trailer

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