Era inevitável que algum filme de
terror fosse falar de nossa dependência de telefones celulares e aplicativos
que fazem praticamente tudo por nós, de pedir comida a dar as direções para chegarmos em algum lugar. É uma pena, porém, que o filme a fazer isso tenha sido
tão ruim quanto este Medo Viral.
Na trama, a melhor amiga de Alice
(Saxon Sharbino), morre sob circunstâncias misteriosas. Dias depois, ela e
alguns de seus amigos recebem em seus telefones um convite para testar um novo
aplicativo de celular que oferece um assistente virtual (tipo a Siri da Apple)
chamado Sr. Bedevil (voz de Jordan Essoe). O fato do convite vir do celular da
amiga morta de Alice não chama atenção dos garotos, afinal vivemos em uma era
de convites automáticos e constantes spams
de sites como LinkedIn. Ao instalar o aplicativo, o Sr. Bedevil começa a
conversar e provocar os garotos, não muito diferente do assassino da franquia Pânico. Aos poucos Bedevil sai do mundo
virtual para assombrá-los no mundo real, confrontando-os com seus piores medos
tal como o Pennywise de It: A Coisa (2017)
ou o Freddy Kruger de A Hora do Pesadelo,
tudo isso embalado pela temática da tecnofobia similar a filmes como O Chamado (2002) ou Amizade Desfeita (2015).
Como deu para ver pela minha
descrição no parágrafo acima, Medo Viral pega
vários elementos de filmes de terror que fizeram sucesso e joga todos na parede
ao mesmo tempo na esperança que algum deles cole. O resultado, no entanto, é
uma mistureba quase que incoerente, desprovida de personalidade ou carisma que
sequer consegue causar medo de tão derivativa e previsível que é.
Sem qualquer desenvolvimento
narrativo para além da premissa inicial que expliquei no começo do texto, o
filme salta entre uma cena de susto para outra, o que não seria um problema se
fosse capaz de criar um clima convincente de medo ou apreensão, mas isso não
acontece. Medo Viral se entrega a uma
sucessão óbvia de sustos súbitos (jump
scares) que são previsíveis demais para assustar. Basicamente toda vez que
as coisas ficam muito quietas ou muito silenciosas, é certo que algo irá pular
diante da tela e uma música alta e grave, bastante intrusiva, começa a tocar.
Como é possível prever com extrema exatidão quando cada susto virá, nenhum
deles realmente assusta e o filme se transforma em um tedioso exercício de
paciência.
Outra razão para o terror não
funcionar é o desenvolvimento frouxo da “mitologia” ao redor do Sr. Bedevil e
como ele opera. As explicações de que ele é algum tipo de entidade sobrenatural
que usa as ondas eletromagnéticas dos celulares como um portal para o nosso
mundo e que ele se alimenta de medo fazem pouco para conferir qualquer
identidade ao monstro, fazendo-o um bicho-papão genérico. A mitologia vaga
também complica a trama quando chega a hora de oferecer uma solução e dar uma
maneira dos personagens combater o monstro, transformando o clímax do filme em
uma imensa bagunça incoerente e sem sentido conforme eles tentam instalar um
vírus em seus telefones.
O visual das criaturas em si
também não impressiona, com alguns palhaços sinistros tentando emular o
Pennywise ou as máscaras usadas em Uma
Noite de Crime (2013) e American Horror Story: Cult. O Sr. Bedevil, por sua vez, parece uma mistura do Slender
Man, por sua figura esguia e terno, com dedos longos em forma de garra que
remetem ao Freddy Kruger. Como o filme salta de um susto para outro, também não
nos dá muito para que nos importemos com os personagens, já que exceto por nos
comunicar seus medos (e faz isso apenas para justificar os sustos que ocorrem
depois) eles não possuem qualquer traço discernível de personalidade. Para um
filme sobre um monstro poderoso caçando adolescentes, Medo Viral também é relativamente “limpo” em termos de violência,
com a maioria das mortes acontecendo fora de quadro, falhando em dar ao público
o gore e a sanguinolência criativa
que se espera de um produto desses.
Os momentos em que o filme tenta
desenvolver os personagem de algum modo resultam em uma série de condutas
sem sentido. Um exemplo é a cena de Cody (Mitchell Edwards) assobiando Mozart
no ônibus. Uma idosa reconhece a melodia e puxa conversa com ele e então Cody,
que é negro, começa a explicar que assobia música clássica para tranquilizar os
brancos do ônibus que não é um assaltante e depois acusa a idosa, que até então
tinha sido gentil com ele, de ser racista. Nada nessa cena faz o menor sentido,
primeiro que conhecer música clássica não impede ninguém de ser criminoso,
segundo que Mozart não é exatamente pop
e eu duvido que muitos frequentadores de ônibus reconheceriam a melodia,
tornando o plano de Cody ineficiente, terceiro que não havia qualquer razão
para Cody acusar a idosa de racismo. Tudo parece uma maneira forçada do filme
tentar construir algum tipo de crítica social, mas, tal como a questão do uso
de celulares pelos jovens, isso é apresentado de forma rasa e inorgânica, não
tendo nenhum impacto sobre a trama.
Com todos esses problemas, Medo Viral é uma bricolagem incoerente e entediante de um monte de outros filmes de terror melhores que não tem nada de
interessante a dizer sobre nossa dependência digital e se limita a oferecer
sustos óbvios e previsíveis.
Nota: 2/10
Trailer
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