Quando se fala nas grandes
empresas do ramo da saúde, normalmente são as indústrias farmacêuticas ou as
corporações de planos de saúde que emergem nas nossas mentes, mas pouco se fala
nas empresas que vendem e fabricam equipamentos e dispositivos (próteses,
implantes e por aí vai). O documentário Operação
Enganosa vem para remediar isso e o quadro que ele pinta desse ramo da
indústria da saúde é ainda mais assustador do que eu imaginava.
Dirigido por Kirby Dick, que já
tinha mostrado um trabalho investigativo consistente ao abordar a questão do
estupro nas universidades em The Hunting Ground (2016), o filme narra os processos de aprovação de equipamentos
médicos junto aos órgãos reguladores do governo, bem como as vidas de pessoas
que tiveram sequelas ou problemas de saúde em virtude de dispositivos que foram
colocados no mercado sem os devidos estudos clínicos.
A narrativa mostra como o
processo de ter um equipamento aprovado pelos órgãos reguladores é bem menos
minucioso do que o dos fármacos. Se para comercializar uma nova droga são
necessários longos estudos clínicos com amplas amostragens, para introduzir no
mercado um novo equipamento basta afirmar que ele é similar a outro já
existente, mesmo que esse outro tenha sido removido do mercado por não funcionar,
para pular todo o processo de testes clínicos com humanos. Mesmo quando há
testes (menos de 2% dos produtos aprovados) eles tem o escopo muito menor (em
termos de amostragem e duração do estudo) em relação aos testes que envolvem
medicamentos.
O documentário também alerta para
as relações promíscuas que existem entre os órgãos reguladores do governo e as
grandes corporações de tecnologia médica, com executivos da indústria, que tem
interesse em diminuir a regulamentação, constantemente apontados para altos
cargos das agências reguladoras. A ação claramente demonstra que o governo está
mais interessado em manter essas grandes empresas contentes do que preocupado
com a segurança do público, sacrificando a idoneidade das instituições estatais
ao colocar pessoas com interesses financeiros nas entidades de regulação.
A investigação sobre o ramo
também mira na conduta dos médicos diante desses problemas e do duplo padrão de
julgamento envolvendo esses dispositivos. Em uma cena durante uma convenção
médica, o filme mostra como profissionais da área exigem um grande volume de
provas e estudos para abandonarem o uso de um determinado produto, mesmo quando
existem milhares de casos comprovados. Por outro lado, não fazem nenhuma dessas
exigências ou conferem qualquer dado quando adotam o uso dessas tecnologias,
confiando nos dados fornecidos pelas próprias empresas que, claro, tem
interesse em valorizar seus produtos.
O exame sobre a relação entre a
falta de dados sobre os impactos negativos desse dispositivo chama atenção para
questões relativas ao financiamento da pesquisa científica. Se até os últimos
vinte ou vinte e cinco anos a maioria da pesquisa dos EUA era financiada pelo
governo, nas últimas décadas o financiamento tem sido majoritariamente privado,
feito pelas próprias empresas que fabricam os equipamentos e que demoram a
deixar os dados disponíveis para o público, o que dificulta uma análise crítica
dessas pesquisas e de seus possíveis problemas.
Assim, através de uma
investigação minuciosa, o filme constrói um assustador panorama no qual tudo
está no controle dessas grandes corporações que não só não parecem ter qualquer
problema em deter tanto poder e influência nas mãos, como demonstram certo
orgulho disso. Essa característica fica evidente quando o filme exibe a cena de
uma convenção da maior empresa de lobby
do ramo, na qual o porta-voz narra com satisfação o fato de que todas as
pessoas ali reunidas detêm juntas mais dinheiro e poder do que muitos países,
uma cena que poderia ser inserida em algum filme de James Bond no lugar do
vilão e não estaria nem um pouco deslocada.
Como não poderia deixar de ser, o
filme também ouve as vítimas que tiveram complicações com esses produtos
médicos. As histórias que ouvimos delas soam como uma mistura de episódios de House com Black Mirror e se não fossem as evidências mostradas por essas
pessoas (uma delas é um médico que teve problema com um implante de quadril) eu
teria dificuldade em crer que complicações tão escabrosas e duradouras.
Estilisticamente, o documentário
não possui muito a oferecer, consistindo basicamente de entrevistas e imagens
de arquivo, mas tal como acontece em O.J Made in America (2017) ou mesmo em TheHunting Ground, é o tipo de filme que nos prende pelo modo como costura
todos esses depoimentos e informações em uma argumentação consistente e bem
fundamentada.
Assim, Operação Enganosa discorre com competência sobre o pouco conhecido
universo das empresas de equipamentos médicos e nos dá muitas razões para
ficarmos preocupados com os rumos da regulamentação desses dispositivos.
Nota: 8/10
Trailer
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