Já fizeram muitos filmes sobre as
belezas da maternidade, sobre o ideal romântico de carregar uma gestação, parir
um filho e cuidar do seu bebê, mas recentemente alguns filmes vem se
comprometendo a abordar aspectos pouco falados dessa fase da vida de uma
mulher. Olmo e a Gaivota (2015), da
brasileira Petra Costa, fez isso com o período da gestação e este Tully, do diretor Jason Reitman, observa
a solidão do pós-parto.
A narrativa é centrada em Marlo
(Charlize Theron), uma mãe de duas crianças que acaba de ter seu terceiro bebê.
Cansada e sem conseguir dormir, ela decide seguir o conselho de seu irmão e
contrata uma babá noturna, a jovem Tully (Mackenzie Davis), para cuidar de sua filha
durante a noite enquanto ela dorme. Aos poucos Marlo começa a se conectar com
Tully, relembrando de um lado de si que tinha esquecido.
O filme trabalha para revelar a
solidão experimentada por Marlo em seu trabalho de mãe, constantemente
precisando lidar com quase tudo dos filhos maiores por conta própria durante o
dia e de sua recém-nascida à noite. Sua vida é literalmente uma montagem de
ações repetitivas e incessantes com os cuidados de suas crianças e Charlize
Theron é mais que eficiente em nos mostrar a exaustão de sua personagem, não
apenas no quesito físico, mas também mental, já que ela lida não só com as
cobranças que faz a si mesma como também a de outras pessoas, inclusive
estranhos. Isso fica mais do que evidente na cena em que Marlo é recriminada
por uma idosa desconhecida ao pedir um café, como se o corpo da protagonista
não lhe pertencesse, mas fosse um bem público que qualquer pessoa pudesse
interferir, dar pitacos e se sentir no direito de controlar.
O marido de Marlo, Drew (Ron
Livingston), é uma presença distante, constantemente filmado de longe,
levemente desfocado ou em planos que colocam ele e Marlo nas bordas do quadro
deixado um espaço vazio entre os dois. Apesar disso, a narrativa não chega a
vilanizar diretamente o personagem, colocando sua conduta mais como um produto
de um meio cultural que responsabiliza a mãe quase que completamente pelo
cuidado dos filhos, ao invés de um sujeito negligente.
Apesar disso, o filme está longe
de retratar uma visão pessimista da maternidade. A enérgica Tully acaba
servindo de contraponto para o cansaço de Marlo e a relação das duas cria uma
dinâmica agridoce que vê tanto os problemas quanto a beleza da vida maternal.
Na verdade as duas servem como uma metáfora da “dupla jornada” que uma mãe precisa
desempenhar, sendo necessário praticamente duas pessoas para que uma mulher
cumpra o que a sociedade espera de uma “boa mãe”.
A reviravolta final acaba sendo
relativamente previsível, mas o diálogo final entre Marlo e Tully serve como um
belo lembrete de que por mais que a maternidade mude a rotina e a vida de uma
mulher, ela não precisa esquecer quem foi antes ou anular sua personalidade só
para cumprir com seu papel. A epifania da protagonista é um pouco súbita, tendo
um inesperado acidente quase que como sua única motivação, mas o texto de
Diablo Cody e a direção de Reitman são carregados de tanto afeto e sinceridade
por suas personagens que é difícil não se deixar levar por elas.
Tully é, portanto, um retrato sincero e sensível tanto da solidão e
dificuldades maternas quanto do amor e beleza contidos no ato de gerar uma
vida.
Nota: 8/10
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