Na superfície Você Nunca Esteve Realmente Aqui parece
mais um daqueles filmes estilo Busca
Implacável (2008) com um calejado ex-militar embarcando em uma jornada
brutal para resgatar uma garota. Essa obra da diretora Lynne Ramsay se vale
deste tipo de premissa, mas não tem o interesse na construção de um espetáculo
de ação ou suspense tal como a maioria dos produtos que contam esse tipo de
história. Seu filme parece mais interessado nas marcas que essa violência deixa
na mente e no corpo de seu protagonista do que nas reviravoltas ou pancadaria.
A trama é centrada em Joe
(Joaquin Phoenix), um ex-soldado que ganha a vida resgatando crianças
desaparecidas. Uma grande oportunidade de pagamento surge quando ele é
contratado para encontrar Nina (Ekaterina Samsonov), a filha de um influente
político, mas ao localizar a garota Joe logo descobre que se envolveu em algo
muito maior do que imaginava.
Joaquin Phoenix é ótimo ao evocar
a natureza atormentada e autodestrutiva de Joe, um sujeito cujo aspecto físico
descuidado, barba desgrenhada, roupas velhas e cicatrizes parece berrar
silenciosamente “não se aproxime” para qualquer um que pouse os olhos sobre
ele. Seu ímpeto autodestrutivo, fruto do que parecem ter sido décadas de dor,
traumas e desilusão, se manifesta constantemente em suas “brincadeiras” com uma
faca na boca ou quando coloca um plástico ao redor da cabeça.
O melhor instante no qual percebemos
o quanto ele se sente miserável é quando ele pega um punhado de doces de um
pote. “Não tem verde”, ele diz, afirmando que são seus favoritos. Segundos
depois ele encontra um doce verde e um plano detalhe nos mostra ele esmagando o
doce entre os dedos. Pode parecer uma imagem inconsequente, mas diz muito sobre
o personagem: alguém que destrói aquilo que adora, que não consegue apreciar o
que poderia ser um breve instante de satisfação.
Esse sentimento de que Joe é
alguém instável é ressaltado pela montagem, cheia de jump cuts que cortam abruptamente para flashbacks (ou talvez delírios?) envolvendo o passado traumático do
personagem. Do mesmo modo, a música recorre constantemente a notas graves,
batidas percussivas e eletrônicas para transmitir um senso de movimento e
inquietação pulsantes. Joe parece sempre à beira de surtar e o modo como o
filme constrói suas imagens e sons é feito para nos deixar imersos nesse estado
mental de incerteza, fragmentação e fuga da realidade.
Como já falei, o filme não está
interessado em grandes reviravoltas ou cenas de ação, mas isso não significa
que ele economize na violência gráfica quando necessário. A violência, junto
com a natureza sombria e decadente dos ambientes dão um ar pulp (designação dada à literatura de suspense, terror ou mistério
impressa em papel de má qualidade) à toda narrativa e como é comum neste tipo
de história, nem tudo é respondido e algumas coisas podem ficar um pouco
confusas. A falta de respostas não chega a ser um problema, já que o interesse
maior é no percurso de Joe, mas incomoda o quão pouco desenvolvida é a relação
entre Joe e Nina considerando que ela é a força motriz do filme.
Você Nunca Esteve Realmente Aqui pode ter mais estilo que
substância, mas é consistente o suficiente em mergulhar na mente fraturada de
seu protagonista que acaba oferecendo uma jornada intensa de trauma e
reparação.
Nota: 7/10
Trailer
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