segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Lixo Extraordinário – Manos: As Mãos do Destino




Ao longo desta coluna, eu analisei muitos filmes com alto grau de incompetência técnica. Muitos deles acabavam se tornando divertidos como The Room (2003) ou Samurai Cop (1991), mas este Manos: As Mãos do Destino é talvez o mais incompetente que eu já analisei e o pior é que não consegue nem provocar risos.

Feito em 1966 por Harold P. Warren, que escreveu, dirigiu e protagonizou, a trama acompanha uma família de férias que se perde durante sua viagem para o interior do Texas e acaba indo parar em uma casa habitada por um sinistro culto pagão liderado pelo sombrio Mestre (Tom Neyman). Warren, um vendedor de seguros e fertilizantes sem experiência prévia com cinema, supostamente realizou Manos depois de fazer uma aposta com um amigo que era muito fácil fazer um filme de terror. O resultado, no entanto, mostra que ele estava completamente enganado.

O primeiro problema a se notar é o som. As falas dos personagens foram claramente redubladas em pós-produção e tudo foi mixado bem fora de sincronia. Já nos primeiros diálogos é possível perceber que os sons não acompanham os movimentos da boca dos personagens e, talvez por isso, o filme corte abruptamente durante os diálogos para planos das costas das pessoas ou outras imagens nada a ver com o intuito de disfarçar sua assincronia. A música usada soa inadequada em muitos momentos, já que o jazz suave se mostra deslocado da atmosfera de tensão que a trama tenta criar, sendo muito esquisito escutar uma música tão relaxada enquanto o título do filme aparece soturnamente na tela.


A montagem erra em praticamente tudo. Muitas cenas são cheias de jump cuts com os personagens abruptamente se teletransportando pelo cenário enquanto conversam. Imagino que isso acontece porque durante as gravações Warren não filmou nada além dos diálogos em si, nada de planos dos personagens reagindo às falas um do outro, planos abertos das cenas ou das movimentações, todo o tipo de tomada que normalmente se usa para fazer suave e organicamente as transições entre diferentes momentos de uma cena. Sem essas chamadas coverage shots, o montador não tem escolha senão saltar abruptamente entre uma tomada e outra como se estivéssemos vendo um rough cut do filme ao invés de uma versão finalizada.

Imagino que isso tenha acontecido por questões materiais. Filmar em película era caro e como é evidente que essa produção era paupérrima, provavelmente Warren filmou o mínimo que podia sem se dar conta (ele não tinha nenhuma experiência de realização audiovisual) de que isso prejudicaria a finalização.

Paradoxalmente, quando não está enchendo as cenas de jump cuts esquisitos, a montagem também não parece ter nenhuma noção de ritmo ou decupagem, estendendo muitos planos para além do necessário, algo que o igualmente incompetente Birdemic (2010) também faz, ou apresentando cenas inteiras sem nenhum corte na qual acontece muito pouco.

Um exemplo é a cena em que a polícia aborda um casal se beijando no carro. O policial fala com o casal e o plano seguinte nos mostra a mulher no carro. A garota fica parada por uns três ou quatro segundos até começar a falar, como se a atriz estivesse esperando a deixa para dizer sua fala, mas faz a personagem parecer uma imbecil que tem dificuldade em responder uma pergunta simples. A questão é que os segundos iniciais desse plano poderiam ser cortados tranquilamente para uma dinâmica mais natural da conversa e da transição entre plano e contraplano, mas quem quer que tenha montado esse filme não parece ter noção nenhuma disso.

Em outras momentos, o filme constrói longos planos em que muito pouco acontece. Na cena em que Torgo (John Reynolds), o principal servo do líder do culto, nocauteia Mike (Harold P. Warren), o pai da família, vemos Torgo acertar Mike com seu cajado, depois arrastá-lo até um tronco e amarrá-lo, tudo isso sem cortes e durando uns três minutos. Tudo poderia ser mostrado em três ou quatro planos rápidos, mas ao invés disso o filme nos obriga a ver minutos a fio de um sujeito arrastando um corpo.

O filme também tem inúmeros problemas de continuidade e isso fica evidente pelo lenço que Margaret (Diane Mahree), a esposa de Mike, usa na cabeça, aparecendo e desaparecendo a cada novo corte, mostrando a completa ausência de um continuísta durante a produção. A equipe de filmagem também não parecia ter nenhum foquista, já que boa parte das tomadas está fora de foco em algum grau.

Mas e a trama? O que acontece? O filme consegue assustar? Bem, a verdade é que não acontece muita coisa, nada faz sentido e sequer chega perto de criar uma situação real de tensão. Nada é explicado sobre como funciona o tal culto para além do fato de que eles servem um deus pagão chamado Manos cujos símbolos são mãos (manos é “mãos” em espanhol). Qual o objetivo do Mestre, seus poderes, qual a razão dele e suas esposas ficarem em sono profundo (ou mortos, não fica claro), se erguendo (ou ressuscitando) de tempos em tempos não fica claro.

Ao invés de criar situações com a família sendo aterrorizada pelo culto, o filme prefere, sabe-se lá porque, investir em um monte de situações inanes que não levam a lugar nenhum e não tem nada a dizer sobre a trama, personagens e universo. Não há razão para perder tanto tempo com as esposas do Mestre brigando entre si ou as muitas cenas do casal se beijando na estrada e sendo (mais de uma vez) interrompido pela polícia. Nada segue qualquer eixo de causa e efeito e o filme inteiro parece um imenso furo de roteiro.

O Mestre, que deveria ser um poderoso sacerdote, não faz nada além de ficar parado e olhando as pessoas com olhos esbugalhados. Ocasionalmente ele também aparece em várias tomadas com os braços abertos para mostrar o desenho das mãos vermelhas em sua larga mortalha. Não há exatamente uma razão para ele fazer isso, o personagem simplesmente faz. Por algum motivo, ele anda para cima e para baixo com um cachorro, mas nem mesmo o animal serve a qualquer propósito.

Os diálogos são estranhamente repetitivos, com os personagens dizendo as mesmas frases cerca de três vezes em uma cena, sabe-se lá por qual razão. Talvez Warren estivesse com medo que sua audiência perdesse alguma informação ou talvez esse filme não tenha passado por nenhum processo de montagem e essa coisa que assistimos seja tudo que foi filmado colado junto. Em alguns momentos os diálogos sequer fazem sentido, como quando Margaret diz que está com medo por estar escurecendo, sendo que o dia está extremamente claro (é uma cena externa) quando ela fala isso.

Manos: As Mãos do Destino é incompetente em tantos níveis que consegue até mesmo falhar em ser um daqueles filmes tão ruins que são bons. É só uma entediante perda de tempo.


Trailer

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