Fui assistir Buscando... achando que seria mais um desses filmes que usa o
formato de ser contado pela tela de um computador para disfarçar uma narrativa
inócua, personagens desinteressantes e produção tosca tal qual Amizade Desfeita (2015). O que
encontrei, no entanto, foi um competente suspense que tem muito a dizer sobre
nosso comportamento online.
A narrativa segue David (John
Cho), um pai viúvo que se distanciou da filha, Margot (Michelle La) depois da
morte da esposa. Quando Margot desaparece misteriosamente, David resolve checar
o computador da filha para buscar informações que possam ajudar na investigação
policial liderada pela detetive Vick (Debra Messing). Aos poucos, David vai
descobrindo que sabia muito pouco sobre a vida da filha.
O começo conta toda a vida de
Margot desde a infância usando quase que exclusivamente meios visuais, com
vídeos, e-mails e postagens em redes sociais para narrar a relação da garota
com o pai. O filme mostra como os computadores se tornaram praticamente
extensões das nossas mentes, servindo de repositórios da nossa memória (com
fotos e vídeos), do nosso cotidiano (através das agendas), círculos de
convivência (através de redes sociais) ou dos nossos pensamentos,
principalmente pelo modo como os personagens digitam algo e depois apagam,
denotando a hesitação e incerteza deles. O interessante é que o filme concebe
esse panóptico do mundo digital como uma espécie de paradoxo: apesar de todos
poderem ver e ser vistos por todo mundo, ninguém realmente olha um para o
outro.
David e Margot estão conectados o
tempo inteiro e se falam constantemente por mensagens e ainda assim David
descobre que sabe muito pouco sobre quem a filha é ou quais eram seus
interesses durante o período em que desapareceu. Do mesmo modo, apesar de ter
centenas de amigos em redes sociais, Margot não tem nenhuma amizade real e não
é próxima de ninguém.
A progressão da trama também revela
como o meio virtual permite que as pessoas assumam uma conduta contrária ao
mundo real apenas para angariar likes,
views e compartilhamentos. Isso fica
claro pela mudança de postura dos colegas de Margot, que no início, quando
David entra em contato com eles, falam que não tinham muito contato com ela e
depois quando a mídia começa a noticiar o caso de Margot todos fazem vídeos
chorosos se dizendo grandes amigos da garota desaparecida e dizendo estar
sentindo falta dela.
Como acontece com muitos outros
“filmes de dispositivo”, a narrativa acaba um pouco presa demais ao próprio
formato e começa a fazer malabarismos para tentar manter a história dentro do
formato, como recorrer a câmeras da polícia para mostrar a confissão de alguém,
o que não faz muito sentido. Se tudo é visto da tela de David, como ele teve
acesso a isso? O filme poderia mostrar ele abrindo um email de algum policial
encarregado, mas isso não acontece, o vídeo simplesmente pula na tela sem muita
explicação. Outro problema é que o filme mostra a comoção ao redor do caso e
fóruns de internet esquadrinhando cada reportagem a respeito, mas ainda assim
só David percebe a foto que liga o principal suspeito e a polícia sendo que ela
aparecia nos primeiros resultados de busca.
Apesar desses problemas, a trama é eficiente o bastante no manejo da intriga para nos manter em estado
de tensão durante boa parte da projeção. Assim, Buscando... vai além de ser um mero “filme de dispositivo”, construindo um envolvente suspense que reflete sobre a desconexão causada por toda a
conectividade à nossa volta.
Nota: 8/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário