Quando escrevi sobre a terceira temporada de How to Get Away With Murder
mencionei que a série estava se perdendo em tramas mal concebidas e soluções
desonestas, talvez indicando que seu fôlego criativo estava acabando. Essa
quarta temporada, no entanto, mostra que a série ainda pode render, ainda que
não atinja o alto nível dos dois primeiros anos.
A trama começa com Annalise
(Viola Davis) tentando reconstruir sua vida depois dos eventos da temporada
anterior. Ela demite todos os seus estagiários e funcionários, incluindo a
dedicada Bonnie (Liza Weil), e decide reconstruir sua carreira sozinha. A
decisão deixa Connor (Jack Falahee), Michaela (Aja Naomi King), Asher (Matt
McGorry) e Laurel (Karla Souza) longe dos problemas dela, mas isso não
significa que suas vidas ficarão tranquilas. Como Laurel sabe que foi seu pai o
responsável pela morte de Wes (Alfred Enoch), ela pede ajuda aos colegas para
conseguir provas do crime.
A mudança na dinâmica dos
personagens já no primeiro episódio ajuda a dar um frescor à narrativa ao
quebrar o molde que vinha sendo duramente seguido até então, funcionando quase
como um leve reboot. A alteração
também permite explorar facetas dos personagens que até então não tinham sido
exploradas, em especial ao tentar entender quem são essas pessoas quando não
estão sob a influência de Annalise. Isso faz os personagens se perguntarem o
que eles querem ser enquanto advogados e lhes dá novos direcionamentos.
Nem todos os personagens
conseguem fazer isso funcionar. Frank (Charlie Weber) continua sofrendo pelas
inconsistências do roteiro, que em um momento decide que ele é um sujeito frio
e pragmático para em outro torná-lo um moleque instável e chorão, tal qual
aconteceu na temporada anterior. Outro personagem que nunca envolve é Isaac
(Jimmy Smits), o terapeuta de Annalise. O sujeito é tão exageradamente instável
e desde a primeira consulta tão envolvido com Annalise que me pergunto como o
sujeito conseguia clinicar ou como ninguém percebeu que alguém com um universo
mental tão turbulento não deveria ser responsável pela saúde mental de outros.
Além disso, ele acaba tendo pouco impacto nas tramas principais, funcionando
mais como um dispositivo de roteiro para que Annalise possa vocalizar seus
problemas.
Annalise, por sua vez, continua
sendo o ponto alto da série. Se na temporada anterior vimos a personagem ser
sobrepujada por sua dor e sentimento de culpa, aqui a vemos lutando para
reencontrar seu propósito e, como de costume, Viola Davis é ótima em nos
mostrar tanto a resiliência quanto fragilidade da protagonista. O episódio em
que Annalise se encontra com a Olivia Pope (Kerry Washington) de Scandal poderia ser um mero fanservice, mas é usado para desenvolver
ambas e mostrar como essas mulheres tem muito a aprender uma com a outra.
Além da investigação sobre a
morte de Wes, a narrativa também traz Annalise em uma longa batalha judicial
envolvendo direitos civis, na qual a série aborda o sistemático encarceramento
da população negra e estruturas de poder racistas do país. O problema é que a
questão é resolvida fácil e rápido demais, bastando um discurso de Annalise na
Suprema Corte para ela vencer, como se a resolução de décadas de políticas
públicas fosse tão simples.
A temporada é hábil em criar
suspense e nos manter envolvidos nas reviravoltas, evitando boa parte dos
expedientes desonestos da temporada anterior. Não há muita novidade em termos
de estrutura, mantendo o formato de narrar tudo em flashbacks nos primeiros episódios até chegar ao presente por volta
do meio da temporada, mas ao menos mostra que a série não perdeu a mão na sua
capacidade de manter a intriga em alta. Por outro lado, a explicação sobre o
motivo do assassinato de Wes soa mirabolante demais, afinal se ele apenas
queria proteger a reputação de Laurel (e consequentemente de sua empresa) e
tinha o promotor no bolso, ele não poderia simplesmente fazer o promotor
enterrar o processo ao invés de matar Wes para evitar a delação dele? Isso só
confirma minha impressão de que o final da terceira temporada foi pensado mais
para provocar um choque gratuito ao trazer um culpado completamente inesperado
do que algo com uma trama coesa em mente.
Melhorando depois dos equívocos
do ano anterior, a quarta temporada de How
To Get Away With Murder acerta por levar seus personagens em novas
direções, ainda que não seja o suficiente para se igualar aos melhores anos da série.
Nota: 7/10
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