Maniac, escrita por Patrick Sommervile (um dos roteiristas de The Leftovers) e dirigida por Cary
Fukunaga (que dirigiu a primeira temporada de True Detective), é uma minissérie estranha. Digo isso não só pela
premissa e estrutura narrativa, mas também pelo modo como ela embarca em
digressões longuíssimas que às vezes perdem de vista os temas principais da
trama. Nesse sentido, sua pulsão em ser esquisita é simultaneamente sua melhor
qualidade e seu pior problema e imagino que, em virtude disso, será um daqueles
produtos com reações extremadas, que você ou ama ou detesta.
A história se passa em um futuro
próximo. Annie (Emma Stone) tem problemas em lidar com um trauma do passado e
está viciada em uma droga experimental e consegue um meio de entrar em um teste
clínico para tentar obter mais da droga. Owen (Jonah Hill) é um jovem
esquizofrênico e filho mais novo de uma rica família. Seu pai pediu para que
ele testemunhe e minta em favor do irmão mais velho, Jed (Billy Magnussen),
acusado de assédio. Owen sabe que o irmão é culpado e quer fugir para não
precisar testemunhar, mas para conseguir dinheiro acaba indo parar no mesmo
teste clínico que Annie.
O teste é para um conjunto de
três drogas que basicamente funcionam como terapia, fazendo o usuário entender
seus traumas, mecanismos de defesa que o impedem de superar os problemas e o
levam a confrontar seus traumas para superá-los. O teste levará Owen e Annie
por uma viagem em suas mentes.
A estranheza da série já começa
antes mesmo que os protagonistas embarquem na viagem por seus subconscientes.
Apesar de se passar no futuro, com inteligência artificial e robôs varrendo a
rua, tudo tem um design retrô e analógico,
cheio de cabos, plugues e botões, como se estivéssemos em uma versão
hipertecnológica dos anos oitenta. Essa disjunção entre o avanço tecnológico e
a apresentação visual dessa tecnologia ajuda a deixar evidente desde o início a
natureza excêntrica e absurda da produção, elementos que permearão também a
trama e os personagens.
Se a premissa soa demasiadamente
complexa, a série já nos dá a chave de leitura de toda sua bizarrice nos
primeiros minutos em uma narração sobre micro-organismos e interconexão das
coisas. É uma trama sobre a busca por conexões, sobre a importância e
necessidade dessas conexões para a experiência humana e como nós mesmos
colocamos obstáculos a essas conexões por conta de nossas neuroses, traumas e
problemas internos. Esses temas são evidenciados de certa forma pelas
constantes menções ao livro Dom Quixote
de Cervantes, uma história sobre um homem preso em uma fantasia que se aliena
do resto das pessoas.
Uma vez no teste clínico, as
drogas tomadas por Owen e Annie os levam a uma série de fantasias imaginárias
dentro de suas mentes. Esses cenários são feitos para ajudar os personagens a
entenderem seus traumas individuais. Nesses momentos, a série usa essas viagens
subconscientes para contar histórias autocontidas que servem como metáforas
para os conflitos internos dos personagens enquanto transitam por diferentes
gêneros narrativos: de histórias criminais a fantasias estilo O Senhor dos Anéis, passando por filmes
de roubo e espionagem.
É nessas vinhetas autocontidas
que reside o maior dos problemas da série. A maioria deles dura episódios
inteiros, alguns mais de um, mas bastam alguns minutos para que entendamos o
que esses cenários estão revelando sobre aquelas pessoas. Por mais que essas
metáforas sobre a psique de seus personagens sejam bem sacadas, a sensação,
como é comum em séries da Netflix, é que eles estão ali só para estender o
número de episódios e que a trama em si comportaria uma minutagem bem menor.
Outro problema é que a maioria
dessas vinhetas não é tão estranha, esquisita ou excêntrica quanto a série
pensa que elas são. A maioria delas transcorre como exemplares típicos, ainda
que com um viés um pouco satírico, dos gêneros que referenciam, faltando a
maluquice e bizarrice que se esperaria de um produto tão pouco convencional. Só
mesmo nos últimos episódios, quando as realidades começam a se fundir e
interferir uma na outra é que a série embarca totalmente no absurdo criativo
que sua premissa pode proporcionar e quando isso acontece é uma delícia de
assistir.
Algumas subtramas, em especial a
que envolve o Dr. Mantleray (Justin Theroux) e sua relação mal resolvida com a
mãe (Sally Field) e a colega de trabalho, a Dra. Fujita (Sonoya Mizuno), também
soam como desvios que se distanciam demais do conflito principal de Annie e
Owen. Por outro lado, Theroux e Field são tão comprometidos com o exagero
neurótico de seus personagens que é difícil não se deixar envolver por eles.
Jonah Hill entrega uma
performance mais discreta que de costume, uma decisão consciente que visa fazer
de Owen um sujeito introspectivo, que passa mais tempo dentro da própria cabeça
do que no mundo exterior. Emma Stone, por sua vez, traz uma dor bem palpável a
Annie, uma mulher que não conseguiu superar a perda da irmã, Ellie (Julia
Garner, da série Ozark), e se sente
culpada pela morte dela.
É a Annie a quem pertence o
centro emocional da trama em sua busca por confrontar o que a prende tanto à
morte de Ellie, construindo um momento verdadeiramente poderoso quando, no
penúltimo episódio, ela finalmente entende e aceita as razões por viver presa a
esse trauma. A resolução de Owen, por outro lado, soa gratuita e pouco merecida
já que a cena do cubo mágico nunca convence como um momento de epifania
consistente na qual ele finalmente entende que sua família nunca lhe dará o
respeito que espera. A trama ainda acerta ao ir por um caminho óbvio de
construir um romance entre os dois protagonistas, lembrando que uma conexão
entre duas pessoas não se resume somente ao amor romântico.
Maniac é como uma longa sessão de terapia: às vezes você se
pergunta o que está fazendo ali e às vezes você enrola para não precisar mover
as questões adiante, mas o resultado final acaba sendo emocionalmente
satisfatório apesar das irregularidades.
Nota: 7/10
Trailer
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