Um Pequeno Favor é uma mistura estranha de suspense ao estilo Garota Exemplar (2014) e uma comédia
sobre o tédio e o lado sombrio da classe média suburbana dos Estados Unidos.
Parecem elementos que, em tese, seriam conflitantes demais para funcionar em
conjunto, mas o diretor Paul Feig, de Missão
Madrinha de Casamento (2011) e Caça-Fantasmas
(2016) consegue fazer funcionar essa combinação inusitada.
A trama é centrada em Stephanie
(Anna Kendrick), uma mãe viúva que cria o filho sozinha e tem como o único
passatempo seu vlog sobre a vida de
mãe. Um dia ela conhece Emily (Blake Lively), a mãe de um dos colegas de escola
de seu filho. Executiva em uma empresa de moda, Emily é praticamente o inverso
da certinha Stephanie, mas as duas acabam ficando amigas e trocam segredos. Um
dia, Emily desaparece misteriosamente e Stephanie resolve descobrir o que
aconteceu com a amiga.
Dizer mais sobre o que acontece
seria estragar a experiência, mas a partir desse momento na narrativa, o que
começou com um tom bastante cômico começa a ganhar contornos sombrios. Se os
primeiros minutos constroem comédia em cima da personalidade energética,
ingênua e aparentemente certinha de Stephanie, aos poucos vai se tornando um
suspense mais tradicional, ainda que não abra mão do humor, como na cena em que
Stephanie conversa com um policial na casa de Emily.
Anna Kendrick traz a
excentricidade que é costumeira à sua persona
cinematográfica, fazendo de Stephanie uma pessoa excessivamente motivada, mas
também deslocada das demais por seu ímpeto de constantemente querer se mostrar
como “mãe ideal”, usando isso para disfarçar sua solidão e carência. Já Blake
Lively consegue injetar uma aura de mistério e ambiguidade em Emily, nos
deixando incertos se ela é apenas uma mulher frustrada pela vida banal que leva
com o filho e o marido ou se é alguém com uma vida ainda mais sombria.
É graças a essa ambiguidade de
Lively que o mistério e a intriga funcionam tão bem. Emily é um enigma, alguém
que a cada nos transmite algo diferente e essa sensação de que ela pode ter
feito qualquer coisa ou sido qualquer uma em sua vida pregressa ajuda a nos
envolver na solução do que realmente aconteceu com ela. O desenvolvimento da
trama é, em geral, eficiente ao direcionar nossas suspeitas em várias direções,
incluindo Stephanie, manejando com competência o clima de intriga.
Por outro lado, o terço final
acaba perdendo um pouco a mão nas reviravoltas, tornando tudo um pouco
mirabolante demais e recorrendo a alguns clichês típicos de resoluções
desonestas ao inserir alguém que a trama não chegou a exatamente indicar a
existência. Algumas situações de suspense e de humor acabam soando pouco
orgânicas, como o segmento em que Stephanie é seguida por um homem armado, mas
dilui a tensão com uma piada que torna a cena inteira algo sem sentido, pois é
difícil crer que alguém perseguiria outra pessoa através da estrada por aquela
razão. Afinal, por mais que o filme tenha uma inclinação para o humor, tudo
ainda é bastante realista, não entrando no regime de absurdo caricatural de
algo como Chumbo Grosso (2007).
De todo modo, Um Pequeno Favor é uma inesperada e bem
sucedida mescla de thriller e
comédia, ancorado principalmente pelo trabalho de Blake Lively e Anna Kendrick.
Nota: 7/10
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