Miami Connection é daqueles filmes que é tão ruim, tão sem sentido
que acaba se tornando divertido de assistir. Se houvesse um mínimo de qualidade
seria algo genérico, esquecível e sem personalidade, mas é a ruindade que o
torna memorável.
A trama foca nos integrantes da
banda Dragon Sound, que são liderados por Mark (Y.K Kim) e praticam Tae-Kwon-Do
nas horas vagas. Um dos integrantes da banda, John (Vincent Hirsch), se envolve
com Jane (Kathy Collier), a irmã de Jeff (William Ergle), líder de uma gangue
de motoqueiros que trabalha junto com uma gangue de ninjas para traficar
cocaína na cidade. Jeff decide que a banda é uma ameaça e resolve eliminá-los.
Se vocês leram o parágrafo acima
com atenção, perceberão que há um salto lógico enorme na sequência de eventos.
Qual a razão de Jeff considerar a banda uma ameaça ao tráfico? Eles são só uma
banda que canta sobre amizade e acreditar nos próprios sonhos, nada do que eles
fazem representa uma ameaça para os negócios ou para Jane (na verdade, o fato
de Jeff ser um traficante tem mais potencial para por Jane em risco do que a
banda). Ah, você exclama, mas será que não é pelo risco da irmã contar para
eles sobre as atividades de Jeff? Bem, não, porque a Jane deixa claro em seus
diálogos que não sabe no que o irmão está envolvido, apenas que são coisas
sombrias. Então qual o motivo de Jeff querer tanto eliminar a banda? Bem, não
há um além da necessidade disso acontecer para mover a trama para frente.
Já que falei na banda, as cenas
deles tocando parecem feitas para inchar a minutagem, colocando eles para
tocar músicas inteiras que duram cerca de cinco minutos, não são lá grande
coisa e não tem nada a dizer sobre os personagens. As cenas poderiam cortar
depois de alguns versos, porque já teriam servido ao propósito de mostrar que
os personagens fazem shows. Ao alongar as cenas, o filme permite que vejamos
que boa parte do elenco sequer está se esforçando para fingir tocar. Mark, por
exemplo, simplesmente passa as mãos por cima das cordas da guitarra.
O filme inteiro segue essa lógica
de eventos inconsequentes determinados aleatoriamente pelo roteiro. O elemento
mais evidente disso talvez seja a subtrama envolvendo a busca de Jim (Maurice
Smith) pelo pai. Sem qualquer preparação prévia, Jim um dia recebe uma carta
dizendo que o pai dele está vivo, surpreendendo os colegas de banda, inclusive
Mark, que no momento diz um dos diálogos mais sem noção do filme ao responder à
revelação com “pensei que todos nós éramos órfãos”. Como assim? Como Mark
chegou a essa presunção? Ele simplesmente supôs que os colegas eram órfãos por
não ter visto ou ouvido ninguém se referir aos pais? Não há o menor sentido
desse diálogo existir.
Deixando um pouco de lado a fala
sem sentido de Mark, Jim segue em um longo solilóquio contando a história
triste de sua família falando de costas para os companheiros de banda e de
frente para a câmera. O ator Maurice Smith se entrega a um dos choros mais exagerados e
artificiais que já vi na ficção enquanto narra sua busca pelo pai. É estranho
porque o ator mal começa a falar e já começa a chorar ao invés de ir
construindo aos poucos a emoção do personagem e como a fala já começa, digamos,
em um ápice, a cada pausa dada pelo ator imaginamos que ele terminou de falar,
mas ele continua e continua ao ponto que parece que nunca irá acabar.
Depois dessa cena ninguém mais
volta a mencionar o pai de Jim até que, nos últimos minutos o personagem recebe
outra carta informando que o pai irá vê-lo. Ou seja, nada desse arco dramático,
desde sua introdução à sua resolução depende de qualquer ação direta dos
personagens. Não há qualquer relação de causa e consequência com coisa alguma,
acontecendo porque o texto determina que precisa acontecer.
Em outra cena, a banda sai de
carro e é cercada por dezenas de homens armados. Imaginamos que se trata da
gangue de Jeff, mas não, são os músicos que tocavam no mesmo clube que a banda
dos personagens e foram demitidos assim que a Dragon Sound foi contratada para
tocar no lugar. Agora, os antigos músicos querem matá-los para se vingar e,
claro, isso soa forçadíssimo. Afinal, não existem outros lugares para tocar em
toda cidade? Se eles conseguem mobilizar dezenas de pessoas para espancar os
rivais até a morte, não significa que eles têm fãs o suficiente para garantir
trabalho em outro lugar?
Faz menos sentindo ainda que
depois de apanharem da Dragon Sound, os antigos músicos procurem Jeff peçam que
eles matem Mark e os demais para poderem recuperar o trabalho como músicos,
prometendo a Jeff toda a renda deles quando voltarem a trabalhar. Toda essa cena
nega o primeiro encontro dos antigos músicos com a Dragon Sound, afinal, se
eles estavam revoltados por terem perdido o emprego, de que adianta recuperarem
o emprego se eles irão dar a renda toda para um traficante qualquer? Na
prática, é a mesma coisa que ficar sem emprego.
Todas essas cenas sem nexo são
pioradas pela inexpressividade dos atores que parecem estar lendo suas falas de
algum cartaz enquanto filmam. Os diálogos são excessivamente expositivos, com
os personagens explicando o que está acontecendo ou o que estão sentido ao
invés de devidamente demonstrarem esses conflitos e sentimentos. Isso é
especialmente problemático com Y.K. Kim, cujo inglês macarrônico torna tudo que
sai de sua boca quase que incompreensível e não fossem as legendas eu sequer
teria conseguido entender.
Kim, por sinal, é de fato faixa
preta de Tae-Kwon-Do no mundo real. Isso significa que ao menos as cenas de
ação são legais, certo? Bem, não. Apesar de ser visível a habilidade de Kim e
alguns outros membros do elenco, diferente de filmes como Samurai Cop (1991) onde
tínhamos a impressão que ninguém sabia o que estava fazendo, as lutas soam
excessivamente artificiais. Isso porque todos os personagens parecem saber de
antemão os movimentos que cada um irá fazer, esquivando antes mesmo que o
inimigo desfira um golpe ou reagindo ao impacto de um ataque sem que o corpo do
oponente tenha chegado próximo ao seu corpo. Além disso, alguns capangas
simplesmente ficam parados esperando que os protagonistas ataquem.
Se o início do filme concebe os
personagens como pessoas otimistas que cantam músicas sobre amizade e perseguir
seus sonhos e falam sobre artes marciais como um meio de alcançar equilíbrio, o
clímax do filme os transforma em guerreiros sanguinários que saem chacinando e
desmembrando ninjas com espadas, banhando-se com o sangue dos inimigos. Sim,
eles estavam furiosos pelo ataque a Jim, mas ainda assim soa uma transição
abrupta para um grupo de protagonistas que soava como uma versão adulta dos
personagens de Malhação.
Diante de toda a sanguinolência
do final, chega a ser hilário que o filme encerre com um letreiro dizendo “Apenas através da eliminação da violência
podemos alcançar a paz mundial”. Dado o clímax sangrento, imagino que por
“eliminação da violência” o filme quer dizer que é preciso usar a violência
para assassinar cruelmente todas as pessoas violentas, o que soa ridiculamente
contraditório com a mensagem de paz e equilíbrio que a trama tenta passar.
Protagonizado por lutadores que
não sabem atuar e atores que não sabem lutar, Miami Connection é tão incoerente, sem sentido e absurdo que se
torna engraçadíssimo. É o tipo de filme que diverte por conta da ruindade.
Trailer
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