Depois do impactante desfecho da terceira temporada, o quarto ano de Better
Call Saul apontava para uma aproximação ainda maior de Jimmy do alter-ego
de Saul Goodman e foi exatamente isso que entregou, apesar dos arcos de outros
personagens terem deixado a desejar. A partir desse ponto, SPOILERS da
temporada são inevitáveis.
A trama começa com o funeral de
Chuck (Michael McKean), mostrando que Jimmy (Bob Odenkirk) demonstra não estar
abalado com a morte do irmão enquanto Kim (Rhea Seehorn) percebe que claramente
há algo errado com Jimmy, mas prefere dar a ele espaço para processar seu luto.
Mike (Jonathan Banks) continua trabalhando para Gus (Giancarlo Esposito) e
agora ajuda o traficante a construir um laboratório subterrâneo (aquele que
Walt usou em Breaking Bad).
A recusa de Jimmy em reconhecer
estar afetado pela morte do irmão, talvez por se sentir culpado pela piora dele
ao expor seu transtorno como algo meramente psicológico na temporada anterior,
acaba sendo um dos elementos que dá início ao afastamento entre ele e Kim. Tendo visto Breaking Bad, sabemos que a advogada não faz parte da vida de Saul
Goodman, então era uma questão de saber como a cisão entre eles não aconteceria
e, tal qual o conflito com Jimmy e Chuck, a série não decepciona no modo como
constrói isso de maneira crível.
Pode não ser tão bombástico
quanto o confronto de Chuck e Jimmy no tribunal, mas não deixa de ter impacto
emocional. Isso porque ao longo da temporada vamos acompanhando os silêncios,
os sentimentos não ditos, não colocados para fora, as frustrações engolidas à
seco e como tudo isso inevitavelmente é posto para fora sem filtro por Jimmy em
um momento de frustração no penúltimo episódio. Antes disso, no entanto, esse
afastamento já tinha sido inteligentemente construído no sétimo episódio na
montagem com tela dividida ao som da canção Something
Stupid. que delineava a vida dos dois ao longo de alguns meses.
A discussão entre Jimmy e Kim no
penúltimo episódio coloca os personagens para externarem todas as frustrações
que até então tinham silenciado, como o ressentimento de Jimmy por Kim nunca
ter tido vontade de montar um escritório com ele apesar de não ter problemas em
ocasionalmente usar os talentos de Jimmy de atuar à margem da lei (algo que eu
já tinha apontado quando escrevi sobre a segunda temporada) ou a frustração de
Kim em Jimmy se recusar a conversar sobre a morte do irmão.
Essa discussão, no entanto, não é
o que causa o distanciamento entre Jimmy e Kim, mas as ações dele no episódio
final. Apesar de não ter problemas em usar as habilidades de Jimmy como
golpista, Kim sempre demonstrou ter limites claros que não estava disposto a
cruzar. É por isso que ela fica tão paralisada quando percebe que Jimmy passou
dessa linha ao usar a morte de Chuck para manipular todos da Ordem dos
Advogados e reaver sua licença. Conforme a câmera lentamente se afasta de Kim,
a série denota que Jimmy criou um insuperável abismo em relação à namorada. A
revelação final é ainda mais impactante por conta do flashback no início do episódio que serve para nos lembrar que
Chuck, ao seu modo, cuidava e amava Jimmy, tornando tudo que Jimmy faz em seu
nome ao longo do season finale ainda
mais desprezível.
Por outro lado, outros
personagens não se saem tão bem e a maioria das suas tramas existe meramente
para fazer a ponte com os eventos de Breaking
Bad sem, no entanto, dizer nada que já não sabíamos sobre essas pessoas.
Mike, por exemplo, começa com sua recusa em superar a perda do filho,
afastando-se do grupo de terapia que frequentava com a nora. Era uma chance de
explorar um lado pouco visto de Mike, mas acaba servindo só para empurrar o
personagem na direção de Gus.
Uma vez trabalhando na construção
subterrânea de Gus, a trama de Mike ganha ares de fanservice por não ter muito a fazer com seus personagens além de
mostrar a origem de certas coisas que vimos em Breaking Bad, mas que não tem necessariamente algo a acrescentar à
jornada dos personagens. Ver a construção do laboratório é uma curiosidade
interessante, mas é só no final da temporada que a trama tem algo a dizer sobre
Mike. No episódio final Mike faz a transição para o matador que ele tanto
relutava em ser e o mais trágico é que ele se torna algo que evitava se
transformar não por crueldade, mas por piedade, por saber que Gus faria algo
muito pior com seu alvo do que o rápido tiro na cabeça dado por ele.
Assim, o arco de Mike
invariavelmente faz sentido, com o afastamento dele do grupo de apoio sendo o
fator que contribuiu para que ele assumisse essa faceta que até então evitava,
talvez pela proximidade com a memória do filho. Mesmo fazendo sentido ao final,
não afasta a sensação de que muito de sua trama foi mais fanservice do que qualquer outra coisa.
Do mesmo modo, ver como Hector
Salamanca (Mark Margolis) ficou preso a uma cadeira de rodas e ganhou seu
famoso sino serve para ampliar a mitologia desse universo, mas não tem nada
novo a dizer sobre aquelas pessoas. Claro, vemos a crueldade de Gus em pagar
pelo tratamento de Hector só até o ponto em que ele recupera a consciência, mas
encerrando o processo de recuperação para impedi-lo de restaurar os movimentos,
transformando-o em um prisioneiro do próprio corpo, mas já sabíamos desde Breaking Bad o quanto Gus pode ser
implacável e cruel.
A trama de Nacho (Michael Mando)
começa cheia de tensão conforme ele é chantageado por Gus a começar uma guerra
de facções e a todo momento tememos pela vida dele por conta de seu trabalho
como “agente duplo”, principalmente quando os letais gêmeos Salamanca aparecem
para proteger o território do combalido Hector. Os gêmeos, por sinal,
protagonizam uma das cenas de ação mais sangrentas da série quando atacam um
ponto de fabricação rival. Boa parte da tensão vem do fato de acompanharmos a
ação do ponto de vista de Nacho, ferido e perdido em meio ao caos da matança
dos gêmeos. É uma pena, portanto, que Nacho acabe perdendo espaço conforme a
temporada progride.
A quarta temporada de Better Call Saul acerta na cuidadosa e
impactante revelação de como Jimmy finalmente assumiu a identidade de Saul
Goodman e possivelmente alienou a última pessoa que tinha ao seu lado.
Nota: 8/10
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