quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Crítica – Better Call Saul: 4ª Temporada


Análise Crítica – Better Call Saul: 4ª Temporada


Review – Better Call Saul: 4ª Temporada
Depois do impactante desfecho da terceira temporada, o quarto ano de Better Call Saul apontava para uma aproximação ainda maior de Jimmy do alter-ego de Saul Goodman e foi exatamente isso que entregou, apesar dos arcos de outros personagens terem deixado a desejar. A partir desse ponto, SPOILERS da temporada são inevitáveis.

A trama começa com o funeral de Chuck (Michael McKean), mostrando que Jimmy (Bob Odenkirk) demonstra não estar abalado com a morte do irmão enquanto Kim (Rhea Seehorn) percebe que claramente há algo errado com Jimmy, mas prefere dar a ele espaço para processar seu luto. Mike (Jonathan Banks) continua trabalhando para Gus (Giancarlo Esposito) e agora ajuda o traficante a construir um laboratório subterrâneo (aquele que Walt usou em Breaking Bad).

A recusa de Jimmy em reconhecer estar afetado pela morte do irmão, talvez por se sentir culpado pela piora dele ao expor seu transtorno como algo meramente psicológico na temporada anterior, acaba sendo um dos elementos que dá início ao afastamento entre ele e Kim. Tendo visto Breaking Bad, sabemos que a advogada não faz parte da vida de Saul Goodman, então era uma questão de saber como a cisão entre eles não aconteceria e, tal qual o conflito com Jimmy e Chuck, a série não decepciona no modo como constrói isso de maneira crível.

Pode não ser tão bombástico quanto o confronto de Chuck e Jimmy no tribunal, mas não deixa de ter impacto emocional. Isso porque ao longo da temporada vamos acompanhando os silêncios, os sentimentos não ditos, não colocados para fora, as frustrações engolidas à seco e como tudo isso inevitavelmente é posto para fora sem filtro por Jimmy em um momento de frustração no penúltimo episódio. Antes disso, no entanto, esse afastamento já tinha sido inteligentemente construído no sétimo episódio na montagem com tela dividida ao som da canção Something Stupid. que delineava a vida dos dois ao longo de alguns meses.

A discussão entre Jimmy e Kim no penúltimo episódio coloca os personagens para externarem todas as frustrações que até então tinham silenciado, como o ressentimento de Jimmy por Kim nunca ter tido vontade de montar um escritório com ele apesar de não ter problemas em ocasionalmente usar os talentos de Jimmy de atuar à margem da lei (algo que eu já tinha apontado quando escrevi sobre a segunda temporada) ou a frustração de Kim em Jimmy se recusar a conversar sobre a morte do irmão.

Essa discussão, no entanto, não é o que causa o distanciamento entre Jimmy e Kim, mas as ações dele no episódio final. Apesar de não ter problemas em usar as habilidades de Jimmy como golpista, Kim sempre demonstrou ter limites claros que não estava disposto a cruzar. É por isso que ela fica tão paralisada quando percebe que Jimmy passou dessa linha ao usar a morte de Chuck para manipular todos da Ordem dos Advogados e reaver sua licença. Conforme a câmera lentamente se afasta de Kim, a série denota que Jimmy criou um insuperável abismo em relação à namorada. A revelação final é ainda mais impactante por conta do flashback no início do episódio que serve para nos lembrar que Chuck, ao seu modo, cuidava e amava Jimmy, tornando tudo que Jimmy faz em seu nome ao longo do season finale ainda mais desprezível.

Por outro lado, outros personagens não se saem tão bem e a maioria das suas tramas existe meramente para fazer a ponte com os eventos de Breaking Bad sem, no entanto, dizer nada que já não sabíamos sobre essas pessoas. Mike, por exemplo, começa com sua recusa em superar a perda do filho, afastando-se do grupo de terapia que frequentava com a nora. Era uma chance de explorar um lado pouco visto de Mike, mas acaba servindo só para empurrar o personagem na direção de Gus.

Uma vez trabalhando na construção subterrânea de Gus, a trama de Mike ganha ares de fanservice por não ter muito a fazer com seus personagens além de mostrar a origem de certas coisas que vimos em Breaking Bad, mas que não tem necessariamente algo a acrescentar à jornada dos personagens. Ver a construção do laboratório é uma curiosidade interessante, mas é só no final da temporada que a trama tem algo a dizer sobre Mike. No episódio final Mike faz a transição para o matador que ele tanto relutava em ser e o mais trágico é que ele se torna algo que evitava se transformar não por crueldade, mas por piedade, por saber que Gus faria algo muito pior com seu alvo do que o rápido tiro na cabeça dado por ele.

Assim, o arco de Mike invariavelmente faz sentido, com o afastamento dele do grupo de apoio sendo o fator que contribuiu para que ele assumisse essa faceta que até então evitava, talvez pela proximidade com a memória do filho. Mesmo fazendo sentido ao final, não afasta a sensação de que muito de sua trama foi mais fanservice do que qualquer outra coisa.

Do mesmo modo, ver como Hector Salamanca (Mark Margolis) ficou preso a uma cadeira de rodas e ganhou seu famoso sino serve para ampliar a mitologia desse universo, mas não tem nada novo a dizer sobre aquelas pessoas. Claro, vemos a crueldade de Gus em pagar pelo tratamento de Hector só até o ponto em que ele recupera a consciência, mas encerrando o processo de recuperação para impedi-lo de restaurar os movimentos, transformando-o em um prisioneiro do próprio corpo, mas já sabíamos desde Breaking Bad o quanto Gus pode ser implacável e cruel.

A trama de Nacho (Michael Mando) começa cheia de tensão conforme ele é chantageado por Gus a começar uma guerra de facções e a todo momento tememos pela vida dele por conta de seu trabalho como “agente duplo”, principalmente quando os letais gêmeos Salamanca aparecem para proteger o território do combalido Hector. Os gêmeos, por sinal, protagonizam uma das cenas de ação mais sangrentas da série quando atacam um ponto de fabricação rival. Boa parte da tensão vem do fato de acompanharmos a ação do ponto de vista de Nacho, ferido e perdido em meio ao caos da matança dos gêmeos. É uma pena, portanto, que Nacho acabe perdendo espaço conforme a temporada progride.

A quarta temporada de Better Call Saul acerta na cuidadosa e impactante revelação de como Jimmy finalmente assumiu a identidade de Saul Goodman e possivelmente alienou a última pessoa que tinha ao seu lado.

Nota: 8/10


Trailer

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