Se você vai querer subir nos
ombros de um gigante, é melhor ter certeza que é capaz de fazer a escalada.
Digo isso porque este A Casa do Medo:
Incidente em Ghostland faz desde seus primeiros minutos referências ao
escritor H.P Lovecraft, um dos mais seminais e influentes do terror. Ao fazer
isso, o filme apenas ressalta o quanto está longe, mas bem longe, do estilo ou
tipo de narrativa de Lovecraft, uma comparação que eu nem faria caso a
narrativa não a fizesse por conta própria.
Os contos de Lovecraft narravam a
lenta descida à loucura experimentada por seus personagens conforme eles
encontravam criaturas e horrores ancestrais, coisas tão abomináveis que a mera
visão delas, mesmo que de relance, danificava a sanidade de qualquer pessoa.
Suas descrições eram carregadas de tantos adjetivos que era difícil compreender
exatamente a natureza ou a forma das criaturas narradas, criando
simultaneamente curiosidade e temor por coisas tão difíceis de compreender. O
horror de Lovecraft ia se insinuando aos poucos e servia para nos lembrar da
pequenez do homem diante da imensidão do universo ou o quanto ainda existe de
desconhecido apesar de todos os nossos avanços.
Não há nada remotamente próximo
aos temas ou prosa de Lovecraft em A Casa
do Medo: Incidente em Ghostland e ainda assim o filme continuamente insiste
em querer se aproximar do famoso escritor, incluindo uma cena em que a
personagem interage com alguém que deveria ser Lovecraft, mas a maquiagem usada
para reproduzir a aparência do escritor é tão artificial que mais parece um
sujeito com alguma deformidade do Lovecraft. A impressão é que o diretor Pascal
Laugier não tem a menor noção do filme que fez ou do que é a obra de Lovecraft,
mas mesmo me afastando da comparação (uma que eu nunca faria se a narrativa não
chamasse atenção para isso) o que sobra aqui é um terror raso, óbvio, histérico
que usa a violência explícita como uma distração do fato de que não tem
absolutamente nada a dizer.
A trama acompanha uma mãe que
viaja com as duas filhas adolescentes para uma casa que herdou da irmã e
chegando lá são atacadas por dois estranhos que imediatamente matam a mãe e
começam a torturar as duas jovens. O que se segue é um torture porn genérico e sem personalidade que sequer entende que
esse filão se esgotou lá por volta de 2010 e se acha mais inteligente do que
realmente é.
Quando escrevi sobre Sala Verde (2017), mencionei como,
apesar de exibir uma violência extremamente gráfica, o filme sabia os momentos
certos de usá-la sem banalizá-la ou diminuir seu impacto. Isso não acontece
aqui, já que o filme não tem nada a oferecer além dessa violência exagerada
filmada em câmera trêmula e montagem epilética e com cerca de vinte minutos já
estamos entorpecidos quanto aos efeitos dessa violência, tornando tudo um mero
exercício de paciência.
O desenvolvimento de personagem é
nulo, das duas garotas só Beth tem algum traço minimamente discernível que é
sua paixão pela literatura de Lovecraft. No início a narrativa joga algumas
informações, como o fato de que Beth acabou de menstruar pela primeira vez, que
imaginamos que serão importantes para o que virá a seguir, mas a verdade é que
nada disso tem qualquer importância ou repercussão. Para compensar a nulidade
de seus personagens, a trama tenta jogar a esmo algumas reviravoltas, mas elas
se resumem ao clichê desonesto do “foi tudo um sonho”, algo que o filme faz
mais de uma vez, provavelmente querendo ser algo psicológico e esperto, mas que
soa gratuito e preguiçoso (o “foi tudo um sonho” é uma estratégia fácil demais
para anular qualquer coisa numa narrativa, não requerendo nenhum esforço
criativo, basta escrever essa frase e pronto, você tem uma reviravolta nas
mãos), provocando mais irritação do que surpresa.
De resto é uma coleção de sustos
súbitos óbvios com coisas inesperadamente pulando na tela e um monte de cenas
gratuitas de violência cujo único propósito é fazer a audiência sentir repulsa
ou prazer pelo sofrimento das personagens, denotando uma misoginia que é meio
inerente ao subgênero do torture porn,
quase sempre focado na violência a personagens femininas. O filme sequer
consegue ser criativo ou visualmente interessante em sua construção estética,
com a casa na qual tudo se passa reunindo praticamente todos os lugares-comuns
do terror, de bonecos sinistros (a la Annabelle) a animais empalhados na parede,
sem, no entanto, o intento autorreflexivo de algo como O Segredo da Cabana (2012). O mesmo pode ser dito da trama, que
flerta com o horror psicológico, sobrenatural e slasher sem se comprometer com nada fazendo tudo parecer frouxo,
vago e desesperadamente jogado à esmo na esperança que os fãs do gênero
encontrassem algo a se apegar.
Pedante, vazio, rasteiro e
desonesto, A Casa do Medo: Incidente em
Ghostland é um filme atira para muitas direções e não acerta em nenhuma, se
limitando a uma exibição inane de violência.
Nota: 1/10
Trailer
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