quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Crítica – A Casa do Medo: Incidente em Ghostland


Análise Crítica – A Casa do Medo: Incidente em Ghostland


Review – A Casa do Medo: Incidente em Ghostland
Se você vai querer subir nos ombros de um gigante, é melhor ter certeza que é capaz de fazer a escalada. Digo isso porque este A Casa do Medo: Incidente em Ghostland faz desde seus primeiros minutos referências ao escritor H.P Lovecraft, um dos mais seminais e influentes do terror. Ao fazer isso, o filme apenas ressalta o quanto está longe, mas bem longe, do estilo ou tipo de narrativa de Lovecraft, uma comparação que eu nem faria caso a narrativa não a fizesse por conta própria.

Os contos de Lovecraft narravam a lenta descida à loucura experimentada por seus personagens conforme eles encontravam criaturas e horrores ancestrais, coisas tão abomináveis que a mera visão delas, mesmo que de relance, danificava a sanidade de qualquer pessoa. Suas descrições eram carregadas de tantos adjetivos que era difícil compreender exatamente a natureza ou a forma das criaturas narradas, criando simultaneamente curiosidade e temor por coisas tão difíceis de compreender. O horror de Lovecraft ia se insinuando aos poucos e servia para nos lembrar da pequenez do homem diante da imensidão do universo ou o quanto ainda existe de desconhecido apesar de todos os nossos avanços.

Não há nada remotamente próximo aos temas ou prosa de Lovecraft em A Casa do Medo: Incidente em Ghostland e ainda assim o filme continuamente insiste em querer se aproximar do famoso escritor, incluindo uma cena em que a personagem interage com alguém que deveria ser Lovecraft, mas a maquiagem usada para reproduzir a aparência do escritor é tão artificial que mais parece um sujeito com alguma deformidade do Lovecraft. A impressão é que o diretor Pascal Laugier não tem a menor noção do filme que fez ou do que é a obra de Lovecraft, mas mesmo me afastando da comparação (uma que eu nunca faria se a narrativa não chamasse atenção para isso) o que sobra aqui é um terror raso, óbvio, histérico que usa a violência explícita como uma distração do fato de que não tem absolutamente nada a dizer.

A trama acompanha uma mãe que viaja com as duas filhas adolescentes para uma casa que herdou da irmã e chegando lá são atacadas por dois estranhos que imediatamente matam a mãe e começam a torturar as duas jovens. O que se segue é um torture porn genérico e sem personalidade que sequer entende que esse filão se esgotou lá por volta de 2010 e se acha mais inteligente do que realmente é.

Quando escrevi sobre Sala Verde (2017), mencionei como, apesar de exibir uma violência extremamente gráfica, o filme sabia os momentos certos de usá-la sem banalizá-la ou diminuir seu impacto. Isso não acontece aqui, já que o filme não tem nada a oferecer além dessa violência exagerada filmada em câmera trêmula e montagem epilética e com cerca de vinte minutos já estamos entorpecidos quanto aos efeitos dessa violência, tornando tudo um mero exercício de paciência.

O desenvolvimento de personagem é nulo, das duas garotas só Beth tem algum traço minimamente discernível que é sua paixão pela literatura de Lovecraft. No início a narrativa joga algumas informações, como o fato de que Beth acabou de menstruar pela primeira vez, que imaginamos que serão importantes para o que virá a seguir, mas a verdade é que nada disso tem qualquer importância ou repercussão. Para compensar a nulidade de seus personagens, a trama tenta jogar a esmo algumas reviravoltas, mas elas se resumem ao clichê desonesto do “foi tudo um sonho”, algo que o filme faz mais de uma vez, provavelmente querendo ser algo psicológico e esperto, mas que soa gratuito e preguiçoso (o “foi tudo um sonho” é uma estratégia fácil demais para anular qualquer coisa numa narrativa, não requerendo nenhum esforço criativo, basta escrever essa frase e pronto, você tem uma reviravolta nas mãos), provocando mais irritação do que surpresa.

De resto é uma coleção de sustos súbitos óbvios com coisas inesperadamente pulando na tela e um monte de cenas gratuitas de violência cujo único propósito é fazer a audiência sentir repulsa ou prazer pelo sofrimento das personagens, denotando uma misoginia que é meio inerente ao subgênero do torture porn, quase sempre focado na violência a personagens femininas. O filme sequer consegue ser criativo ou visualmente interessante em sua construção estética, com a casa na qual tudo se passa reunindo praticamente todos os lugares-comuns do terror, de bonecos sinistros (a la Annabelle) a animais empalhados na parede, sem, no entanto, o intento autorreflexivo de algo como O Segredo da Cabana (2012). O mesmo pode ser dito da trama, que flerta com o horror psicológico, sobrenatural e slasher sem se comprometer com nada fazendo tudo parecer frouxo, vago e desesperadamente jogado à esmo na esperança que os fãs do gênero encontrassem algo a se apegar.

Pedante, vazio, rasteiro e desonesto, A Casa do Medo: Incidente em Ghostland é um filme atira para muitas direções e não acerta em nenhuma, se limitando a uma exibição inane de violência.

Nota: 1/10

Trailer

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