Uma consulta ao dicionário revela
que a palavra “azougue” está associada ao elemento químico mercúrio. Também me
diz que a palavra se refere a alguém com muita vivacidade e inquietude. Os dois
adjetivos casam muito bem com Azougue
Nazaré, primeiro longa-metragem de Tiago Melo.
A trama se passa na cidade de
Nazaré da Mata, interior de Pernambuco, e acompanha um grupo de personagens
ligados a um clube de maracatu da cidade, mostrando os desafios deles para
montar o espetáculo para o próximo carnaval, bem como as tensões entre aqueles
que acompanham as tradições seculares do maracatu e os líderes de igrejas
evangélicas locais. Uma das figuras centrais da trama é Tião (Valmir do Coco),
que durante as apresentações de maracatu assume a persona de Catita Daiana.
O filme cria uma atmosfera
enérgica, vibrante e com um quê de misticismo em relação ao maracatu. Caboclos
de lança vagam pelas ruas e canaviais da cidade como um lembrete constante de
que esta tradição cultural é algo vivo daquele local e está em constante
movimento. A trama por vezes dá guinadas inesperadas, levando o espectador por
insólitos caminhos, ainda que ocasionalmente deixe elementos em aberto ou sem
conclusão. Essas não resoluções, no entanto, soam mais como uma escolha
deliberada do que descuido, revelando como essas pessoas vivem tanto para o
carnaval e o maracatu que deixam de lado outros aspectos de sua vida.
O elenco é composto
majoritariamente por atores não-profissionais, pessoas da própria Nazaré da
Mata criando personagens que se relacionam consigo mesmos ou seu cotidiano. Esses
não-atores acabam criando personalidades insólitas e bastante singulares, que
preenchem a tela com energia e encantamento conforme vamos conhecendo mais o
universo do maracatu. Vemos o processo criativo dos “mestres” e suas disputas
musicais, tanto presencialmente quanto via aplicativos de mensagens, vemos o
esmero na construção do figurino, além de eventuais encontros e desencontros
amorosos.
Quem rouba a cena, no entanto, é
Valmir do Coco como Tião/Catita, sempre preenchendo a tela com energia e humor,
além de trazer um certo grau de imprevisibilidade ao seu personagem. Em muitos
momentos eu ria simplesmente por ele fazer ou reagir de uma maneira que me
pegava completamente desprevenido. É dele também um dos arcos mais absurdos do
filme, envolvendo a esposa (Joana Gatis), um pastor evangélico (Mestre
Barachinha) e uma interpretação completamente errada do texto bíblico.
Por outro lado, o retrato dos
personagens evangélicos muitas vezes pende para um excesso caricatural. Eu
entendo que muitas das condutas exibidas aqui por esses personagens são tiradas
diretamente das manchetes, desde condutas hipócritas ao comportamento violento
dos evangélicos em relação a praticantes das religiões afro-brasileiras. Não é
à toa, inclusive, que o filme nunca explica plenamente o que o pai de santo da
cidade fez para ser atacado pelos evangélicos, já que muitas vezes não há uma
razão específica para tal. Entretanto, essa mão pesada na caricatura acaba
reduzindo tudo a um maniqueísmo que por vezes soa simplório.
Ainda assim, Azougue Nazaré é um vibrante, enérgico e envolvente passeio pelo
universo do maracatu, conquistando por conta das personalidades insólitas que
traz na tela.
Nota: 8/10
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema
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