sábado, 17 de novembro de 2018

Crítica – Azougue Nazaré

Análise Crítica – Azougue Nazaré


Review – Azougue Nazaré
Uma consulta ao dicionário revela que a palavra “azougue” está associada ao elemento químico mercúrio. Também me diz que a palavra se refere a alguém com muita vivacidade e inquietude. Os dois adjetivos casam muito bem com Azougue Nazaré, primeiro longa-metragem de Tiago Melo.

A trama se passa na cidade de Nazaré da Mata, interior de Pernambuco, e acompanha um grupo de personagens ligados a um clube de maracatu da cidade, mostrando os desafios deles para montar o espetáculo para o próximo carnaval, bem como as tensões entre aqueles que acompanham as tradições seculares do maracatu e os líderes de igrejas evangélicas locais. Uma das figuras centrais da trama é Tião (Valmir do Coco), que durante as apresentações de maracatu assume a persona de Catita Daiana.

O filme cria uma atmosfera enérgica, vibrante e com um quê de misticismo em relação ao maracatu. Caboclos de lança vagam pelas ruas e canaviais da cidade como um lembrete constante de que esta tradição cultural é algo vivo daquele local e está em constante movimento. A trama por vezes dá guinadas inesperadas, levando o espectador por insólitos caminhos, ainda que ocasionalmente deixe elementos em aberto ou sem conclusão. Essas não resoluções, no entanto, soam mais como uma escolha deliberada do que descuido, revelando como essas pessoas vivem tanto para o carnaval e o maracatu que deixam de lado outros aspectos de sua vida.


O elenco é composto majoritariamente por atores não-profissionais, pessoas da própria Nazaré da Mata criando personagens que se relacionam consigo mesmos ou seu cotidiano. Esses não-atores acabam criando personalidades insólitas e bastante singulares, que preenchem a tela com energia e encantamento conforme vamos conhecendo mais o universo do maracatu. Vemos o processo criativo dos “mestres” e suas disputas musicais, tanto presencialmente quanto via aplicativos de mensagens, vemos o esmero na construção do figurino, além de eventuais encontros e desencontros amorosos.

Quem rouba a cena, no entanto, é Valmir do Coco como Tião/Catita, sempre preenchendo a tela com energia e humor, além de trazer um certo grau de imprevisibilidade ao seu personagem. Em muitos momentos eu ria simplesmente por ele fazer ou reagir de uma maneira que me pegava completamente desprevenido. É dele também um dos arcos mais absurdos do filme, envolvendo a esposa (Joana Gatis), um pastor evangélico (Mestre Barachinha) e uma interpretação completamente errada do texto bíblico.

Por outro lado, o retrato dos personagens evangélicos muitas vezes pende para um excesso caricatural. Eu entendo que muitas das condutas exibidas aqui por esses personagens são tiradas diretamente das manchetes, desde condutas hipócritas ao comportamento violento dos evangélicos em relação a praticantes das religiões afro-brasileiras. Não é à toa, inclusive, que o filme nunca explica plenamente o que o pai de santo da cidade fez para ser atacado pelos evangélicos, já que muitas vezes não há uma razão específica para tal. Entretanto, essa mão pesada na caricatura acaba reduzindo tudo a um maniqueísmo que por vezes soa simplório.

Ainda assim, Azougue Nazaré é um vibrante, enérgico e envolvente passeio pelo universo do maracatu, conquistando por conta das personalidades insólitas que traz na tela.


Nota: 8/10


Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema

Trailer

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