São muitos os silêncios que
marcam este Los Silencios, da
diretora Beatriz Seigner. Os silêncios provocados por ausência, os silêncios
daqueles que não têm voz diante dos caprichos dos poderosos e o silêncio
daqueles que morreram e por isso são incapazes de contar suas histórias.
A trama é centrada em Amparo
(Marleyda Soto), uma mãe de dois filhos que tenta fugir da zona de conflito em
que vive na Colômbia. Ela vai para a zona de tríplice fronteira entre Colômbia,
Peru e Brasil, se instalando em uma casa de palafita em uma ilha localizada no
meio do Rio Amazonas e que formalmente não pertence a nenhum dos três países.
Lá, ela encontra o marido (Enrique Diaz), que supostamente estava morto.
O filme traz uma mistura de
realismo social com realismo fantástico. Falo em realismo social pelo fato de
registrar o cotidiano de uma comunidade que literalmente não pertence a lugar
nenhum (a “Ilha da Fantasia”) realmente existe, mostrando o desafio diário de
viver em um local que está aos sabores das cheias e vazantes do rio, mesclando atores
profissionais com um elenco de não atores formados pela comunidade. O realismo fantástico,
por outro lado, se manifesta na literal presença de fantasmas que interagem com
os vivos.
Essas cenas com os fantasmas
servem como metáfora para a dificuldade de Amparo em lidar com as perdas e como
essas pessoas permanecem presentes na vida dela apesar da morte. Também servem
como veículo para Amparo exteriorizar seus pensamentos, a exemplo da discussão
que ela tem com marido sobre a possibilidade de que eles poderiam ter evitado
tudo o que aconteceu. Serve também como metáfora para o silêncio diante das
muitas mortes por conflitos armados naquela região envolvendo as FARC e grupos
paramilitares em um ciclo interminável de violência, como se fosse o fato de
que essas famílias não deixam os mortos descansarem que serve como combustível
para o conflito.
A ideia de que os fantasmas fazem
parte do cotidiano da vida daquelas pessoas é também construída pela opção de
não colocar nada de diferente na caracterização desses mortos. Eles não tem
cicatrizes ou são transparentes, eles tem um aspecto idêntico a qualquer pessoa
viva e, por isso se confundem com elas, muitas vezes nos deixando incertos
acerca de quem está vivo ou morto. A incerteza não é feita pelo filme apenas
para gerar confusão, mas para mostrar como estar vivo ou ser um fantasma
errante é uma diferença muito tênue em um local marcado por tantas
adversidades.
O design de som é hábil em construir uma paisagem sonora imersiva,
delineando os ruídos ambiente do lugar como um meio de mostrar o isolamento
silencioso da ilha e como estão afastados de tudo. Do mesmo modo, a fotografia
nos apresenta a dureza das condições de vida do lugar, sem, no entanto,
incorrer em uma fetichização do miserabilismo.
Ocasionalmente algumas cenas
noturnas utilizam luzes ultravioleta para ressaltar as cores intensas usados
por alguns dos personagens, em especial os fantasmas, conferindo um aspecto
sobrenatural às imagens tipicamente naturalistas. A escolha de iluminação enche
de beleza e lirismo o desfecho do filme, quando a luz dá a impressão que o
mundo dos vivos e mortos se mistura numa cerimônia em que Amparo se despede dos
restos mortais de sua família.
Ao mesclar realismo e fantasia, Los Silencios constrói um tocante relato
sobre vidas perdidas entre diferentes fronteiras.
Nota: 8/10
Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema
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