Eu li toda a trilogia Millennium
escrita por Stieg Larsson e também vi os filmes baseados na trilogia, tanto os
três filmes suecos quanto a adaptação hollywoodiana do primeiro livro. Quando
um quarto livro, A Garota na Teia de
Aranha, foi anunciado em 2013, no entanto, não tive interesse em conferir,
já que a nova história não seria feito pelo criador da trilogia (Larsson morreu
em 2004), nem seria baseada em qualquer material ou rascunho deixado por ele, seria
algo inédito feito por um novo escritor.
A escolha por recomeçar a
franquia nos cinemas a partir deste quarto livro faz sentido de um ponto de
vista estratégico. O segundo e o terceiro livro são praticamente uma narrativa
única, então seria arriscado começar pelo segundo e deixar a história inacabada
caso não fizesse sucesso (ou colocar muito dinheiro para fazer dois filmes de
uma vez). O primeiro livro já tinha sido feito duas vezes, então sobrava o
quarto livro, que poderia ser trabalhado para oferecer um ponto de entrada aos
não iniciados, ao mesmo tempo que traria aos cinemas uma história que os fãs
ainda não tinham visto em tela grande. Parecia ser o melhor dos dois mundos,
mas o resultado final de Millennium: A
Garota Na Teia de Aranha é algo que não parece capaz de satisfazer nenhum
dos dois grupos.
Na trama, Lisbeth (Claire Foy) é
contratada por um cientista sueco, Frans Balder (Stephen Merchant), para
recuperar um perigoso software feito
por ele que caiu nas mãos do governo dos Estados Unidos. Ao recuperar o
programa, Lisbeth fica na mira de uma misteriosa organização criminosa. Acuada,
ela pede ajuda do jornalista Mikael Blomqvist (Sverrir Gudnason) para
investigar a nova ameaça.
Se em outros filmes (ou nos
próprios livros) o foco era compreender Lisbeth, sua relação com o mundo e com
Mikael, aqui o que mais importa é a ação e o suspense (mais até do que o
trabalho investigativo), praticamente transformando Lisbeth em uma
super-heroína ou em uma espiã ao estilo Jason Bourne. O diretor Fede Alvarez,
responsável pelo bacana O Homem nas Trevas (2016), é competente em orquestrar perseguições e cenas de ação
cheias de tensão, como a invasão ao abrigo de Balder ou o segmento em que
Lisbeth resgata o agente Needham (Lakeith Stanfield) no aeroporto. A qualidade
da ação é o que torna a fita minimamente satisfatória, já que todo o resto é
bastante raso.
Claire Foy tem uma presença forte
em cena como Lisbeth, mas o texto não lhe dá muito que fazer para explorar a
complexidade da personagem, sendo esta possivelmente a versão mais superficial
da famosa hacker. O mesmo pode ser
dito Sverrir Gudnason (que viveu o tenista Bjorn Borg em Borg vs. McEnroe), cujo Mikael acaba sendo meramente um veículo
para diálogos expositivos e explanações sobre a trama. Vicky Krieps, que roubou
a cena de Daniel Day-Lewis em Trama Fantasma (2018), é desperdiçada como Erika, a editora de Mikael.
Subtramas são inseridas e depois
completamente abandonadas sem qualquer repercussão. No início Mikael se mostra
preocupado com o fato de ter precisado vender a revista e que o novo dono
talvez tente controlar seu trabalho, mas isso é completamente esquecido
posteriormente e as dificuldades do jornalista na redação de sua revista não
tem qualquer importância.
Existem também algumas decisões
estranhas em relação a este novo universo. Este deveria um novo começo, sem
relação com as demais histórias, mas nesta trama não só Lisbeth e Mikael já se
conhecem como também fica subentendido que os eventos da trilogia original de
livros já aconteceram. Claro, tudo é vago o suficiente para deixar espaço para
que as tais “investigações anteriores” de Mikael e Lisbeth não tenham qualquer
relação com as histórias já conhecidas. De todo modo, os personagens
referenciam tanto o passado em comum deles para justificar suas condutas que
não sei até que ponto um neófito nesse universo será capaz de compreender
plenamente quem são aquelas pessoas ou a importância delas.
É uma decisão criativa
estranhíssima exigir que o espectador tenha algum conhecimento prévio desses
personagens sendo que este deveria ser um “novo começo” para Lisbeth nos
cinemas. Ao mesmo tempo, o texto desenvolve tão pouco seus personagens, quase
não se debruçando sobre os elementos que tornam essas histórias tão singulares,
que não sei se fãs de longa data irão se empolgar com essa versão diluída de
personagens tão celebrados. Durante boa parte da projeção fiquei me indagando
para quem esse filme foi feito. Afinal, ele não é exatamente amigável a novatos
e é raso demais para os fãs, ficando em um morno meio-termo que provavelmente
não deixará ninguém plenamente satisfeito.
Millennium: A Garota Na Teia de Aranha oferece boas cenas de ação,
mas deixa de lado a personalidade singular de seus personagens, se contentando
em ser um suspense genérico.
Nota: 5/10
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