segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Crítica - Rafiki


Análise Crítica - Rafiki


Review - Rafiki
Kena (Samantha Mugatsia) e Ziki (Sheila Munyiva) são filhas de dois políticos rivais que estão disputando a eleição para vereador. Quando as duas se apaixonam, precisam decidir se viverão abertamente esse romance, tanto por conta de suas famílias quanto do preconceito da sociedade, ou se continuarão escondidas e em segurança. Esse é o conflito no centro do queniano Rafiki, segundo longa-metragem da diretora Wanuri Kahiu.

A primeira metade do filme trata o enlace romântico das duas com uma certa ingenuidade romântica, como se estivéssemos diante de uma comédia romântica qualquer. Nenhuma das duas parece ter qualquer problema (embora boa parte das pessoas ao redor delas tenha) em estar apaixonada por uma mulher ou questionam a própria sexualidade. O filme trata esse romance homossexual com a mesma naturalidade que boa parte das comédias românticas tratam romances heterossexuais e, com isso, manifesta um ideal de igualdade. Amor e romance são amor e romance independente dos gêneros das pessoas envolvidas.

Muito do que torna a trama tão encantadora vem da química das duas atrizes e como elas conseguem dizer muito uma para outra apenas com olhares. Por outro lado, parte do clima de romance e afeto vem da fotografia, constantemente recorrendo a cores fortes, em especial tons de violeta, rosa e verde, que junto com batidas enérgicas da trilha musical criam essa atmosfera de alegria vibrante a despeito do ambiente periférico no qual as personagens vivem. Essas escolhas visuais e sonoras derivam do movimento estético, do qual a diretora Wanuri Kahiu é uma das fundadoras, denominado Afrobubblegum (algo como “Afro-chiclete” em português”), que se compromete em criar narrativas sobre pessoas em busca de felicidade, aproveitando a vida e estabelecendo relações saudáveis de afeto.

São escolhas que visam construir uma oposição com filmes africanos que olham para esses países apenas sob a perspectivas das tragédias humanitárias, guerra, fome ou mutilação feminina. A ideia de Kahiu é romper com esse miserabilismo, mostrando a cultura rica e vibrante, bem com as vidas plenas vividas por aquelas pessoas a despeito das dificuldades e preconceitos ainda existentes. Inclusive, Rafiki chegou a ter a exibição proibida no Quênia por conta de retratar um romance lésbico.

Apesar de toda a alegria e vivacidade, o filme não perde a perspectiva quanto à existência do machismo e homofobia naquele espaço de convívio. Se no início isso emerge de comentários aparentemente inofensivos como “boas meninas se tornam boas esposas”, que denotam que o único papel social aceitável para uma mulher é ser esposa de alguém, ou as falas homofóbicas ditas por Blacksta (Neville Misati), no fim tudo irrompe em uma violência brutal e odiosa. É como se esses discursos que suspostamente não causam mal algum mostrados no começo da trama servissem como degraus em uma escalada de intolerância que inevitavelmente culmina em agressão, revelando como não há nada de inofensivo nesses preconceitos cotidianos.

Ainda assim, a narrativa não permite que suas personagens sejam definidas pelo sofrimento ou perseguição, permitindo um vislumbre de esperança ao final. Talvez seja ingênuo, mas nenhuma resistência se constrói sem uma medida de ingenuidade romântica. Assim, Rafiki se mostra um romance vibrante, colorido e cheio de afeto, mas que não se furta de comentar sobre a violência e preconceitos existentes.

Nota: 8/10

Obs: Esse texto faz parte de nossa cobertura da Mostra de Cinemas Africanos em Salvador

Trailer

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