segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Crítica – A Sombra do Pai


Análise Crítica – A Sombra do Pai


Review – A Sombra do Pai
A sociedade delimita papéis e condutas muito claras para homens e mulheres. Quem nunca ouviu frases como “homem não chora”? São chavões que à primeira vista podem até parecer inocentes, mas constroem um ideal limitador e tóxico do que é a masculinidade. A Sombra do Pai, da diretora Gabriela Amaral Almeida, vai examinar esse distanciamento emocional masculino a partir de uma chave de filme de terror.

A garota Dalva (Nina Medeiros) perdeu a mãe recentemente, mas a tia, Cristina (Luciana Paes), acaba preenchendo esse vazio na vida da menina, morando com ela e o pai, Jorge (Júlio Machado). Cristina é adepta a realizar algumas simpatias usando uma imagem de Santo Antônio para tentar arrumar um marido e diz que Dalva tem um dom natural para se comunicar com o sobrenatural e fazer as coisas acontecerem. Quando Cristina anuncia que vai se casar e vai morar longe de Dalva, a menina começa a pensar em alguma maneira de trazer de volta a falecida mãe para não ter que ficar sozinha com o distante (física e emocionalmente) pai.


Usando os rituais e simpatias populares, o filme consegue trazer o sobrenatural e toda essa estrutura do terror de “crianças sinistras” para o contexto brasileiro de maneira que tudo soa natural e sem nunca parecer uma mera transposição de formatos de terror hollywoodiano ou asiático. Muito da tensão é construída a partir da ambiguidade de que, durante boa parte da projeção, não sabemos exatamente a natureza daqueles acontecimentos, se Dalva realmente possui dons que alteram a realidade ao seu redor ou se tudo não passa de uma série de coincidências ou fruto da mente da garota.

Muito da tensão também é construída a partir do trabalho da jovem Nina Medeiros como Dalva, transitando entre uma ingenuidade vulnerável (afinal, é uma menina que perdeu a mãe) e uma faceta mais sombria, como se ela quisesse mexer com aquelas forças sobrenaturais por pura curiosidade mórbida. A cena em que ela faz o famoso (ou infame) “jogo do copo” é particularmente justamente por não termos certeza se a menina faz aquilo a partir de uma crença ingênua de que pode ajudar o pai ou pelo desejo de interagir com essas entidades e testar seus supostos poderes.

Júlio Machado faz Jorge um zumbi antes mesmo das coisas estranhas começarem a acontecer. Com o semblante constantemente cansado, ele parece viver apenas para realizar seu trabalho como pedreiro, não tendo mais nada em sua vida e mal prestando atenção na filha. Seria fácil transformá-lo em um vilão caricato, mas a trama permite que vejamos nele a vulnerabilidade que Jorge tanto luta para não deixar emergir, como na cena em que ele chora sozinho na cama.

Sua recusa em confrontar os próprios sentimentos vai aos poucos deixando-o mais e mais distante de sua filha e de suas responsabilidades. É como se ele fosse perdendo a humanidade gradativamente ao não se permitir vivenciar o luto, com a ferida infectada em suas costas servido como metáfora para sua degradação interna.

Apesar de toda a tensão, o filme oferece alguns momentos de humor, ou que transitam entre o humor e a tensão (como quando Jorge leva Dalva a um parquinho), principalmente nas cenas com a presença do marido de Cristina, que parece sempre alheio às bizarrices que acontecem com aquela família. Esses momentos servem tanto como um respiro para a tensão construída, como também para dar mais camadas aos personagens, evitando que eles se tornem meros clichês de filmes de terror.

A Sombra do Pai é, portanto, um eficiente terror que examina luto, relações familiares e a erosão de um modelo anacrônico de masculinidade.


Nota: 8/10

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema


Trailer

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