Tinta Bruta é, antes de mais nada, uma narrativa sobre solidão. O
filme trata de outros temas como homofobia ou o distanciamento causado por
redes sociais, mas é o isolamento vivenciado pelo protagonista e sua
necessidade de tentar romper com essa existência solitária que funciona como
força motriz da trama.
A história é centrada em Pedro
(Shico Menegat), um jovem de Porto Alegre que foi expulso da faculdade e
enfrenta julgamento pelo delito que levou à expulsão. Ele não tem amigos e vive
com a irmã, que está de malas prontas para assumir um novo emprego em Salvador.
A única ocupação de Pedro são os shows eróticos que faz via webcam no qual dança e tira a roupa para
espectadores pagantes enquanto se pinta com tintas neon. Sua audiência, no
entanto, está caindo e ele descobre o motivo ao conhecer Leo (Bruno Fernandes),
um estudante de dança que também faz performances via webcam com neon. Inicialmente, Pedro procura Leo para pedir que o
dançarino pare de copiar seu estilo, mas aos poucos os dois vão se aproximando
e se apaixonando.
A construção visual do filme
torna fácil compreender a razão de Pedro dar tanto valor às suas performances
via internet. Se seu cotidiano é carregado de tons de cinza frios e sem vida,
suas performances são repletas de cor e energia. Durante as apresentações o
protagonista se sente verdadeiramente livre, de sua timidez, dos preconceitos
que sofre e da própria solidão, então ao saber de Leo, é compreensível que
Pedro reaja como se sua existência inteira estivesse sendo ameaçada.
A trama comenta sobre como as
redes digitais fazem pouco para aplacar a solidão que acomete muita gente em
grandes metrópoles. Apesar de ter vários fãs na internet, Pedro não tem deles
nenhum tipo de afeto ou suporte, sendo visto por seus espectadores mais como um
objeto de fetiche do que uma pessoa. A jornada de Pedro também mostra como o
preconceito e a homofobia o empurra cada vez mais para as margens e quanto mais
isolado e marginalizado, mais vulnerável à exploração de outros ele fica, algo
denotado pela cena envolvendo um agressivo garoto de programa.
A solidão de Pedro, no entanto,
acaba gerando alguns problemas no modo como o filme transmite ao público
informações sobre o personagem, recorrendo continuadamente a diálogos
excessivamente expositivos, como a conversa envolvendo um colega de trabalho da
irmã ou o encontro fortuito com a mãe de um antigo amigo, que não tem qualquer
outro propósito além de explicar coisas sobre o personagem. Até mesmo algumas
situações que inicialmente parece ser importantes para o andamento do filme,
como a briga com antigos colegas de faculdade, existem apenas para o filme
explicar o passado do personagem e não tem muita repercussão adiante.
Outro problema é o modo como o
filme cria expectativas para certos conflitos que acabam não acontecendo,
fazendo o texto soar incoerente. Em uma cena conversando com a advogada, Pedro
diz que a avó não pode saber do processo judicial ao qual ele está respondendo.
No entanto, quando avó aparece, ela não parece ter problema nenhum com o que
está acontecendo com o neto, com a sexualidade dele ou o modo como ganha a
vida, nos fazendo questionar qual, afinal, a razão da preocupação inicial de
Pedro.
Também é estranho que ele, tão
adepto a conversas via webcam e tão
ligado à irmã sequer tente conversar uma vez. Seria algo fácil de contornar,
bastava mostrá-lo fazendo uma vídeo-chamada na qual a irmã atendesse e
estivesse cercada de amigos ou com algum novo interesse romântico fazendo Pedro
se sentir substituído e deixado de lado ao ponto de não tentar falar com ela
novamente. Aliás, como Pedro é tão isolado e silencioso sabemos tão pouco a seu
respeito que ele por vezes ele soa como alguém muito unidimensional, sendo
definido apenas por suas performances neon.
De todo modo, esses problemas não
tiram o impacto do singelo final, no qual o protagonista finalmente se sente
confortável para ser ele mesmo em público e exibir o brilho que lhe faz tão bem.
Tinta Bruta aborda com sensibilidade
o isolamento causado pelo preconceito, ainda que excessos de exposição e alguns
elementos da narrativa não funcionem como deveriam.
Nota: 6/10
Esse texto faz parte de nossa
cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Trailer
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