segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Crítica – Tinta Bruta


Análise Crítica – Tinta Bruta


Review – Tinta Bruta
Tinta Bruta é, antes de mais nada, uma narrativa sobre solidão. O filme trata de outros temas como homofobia ou o distanciamento causado por redes sociais, mas é o isolamento vivenciado pelo protagonista e sua necessidade de tentar romper com essa existência solitária que funciona como força motriz da trama.

A história é centrada em Pedro (Shico Menegat), um jovem de Porto Alegre que foi expulso da faculdade e enfrenta julgamento pelo delito que levou à expulsão. Ele não tem amigos e vive com a irmã, que está de malas prontas para assumir um novo emprego em Salvador. A única ocupação de Pedro são os shows eróticos que faz via webcam no qual dança e tira a roupa para espectadores pagantes enquanto se pinta com tintas neon. Sua audiência, no entanto, está caindo e ele descobre o motivo ao conhecer Leo (Bruno Fernandes), um estudante de dança que também faz performances via webcam com neon. Inicialmente, Pedro procura Leo para pedir que o dançarino pare de copiar seu estilo, mas aos poucos os dois vão se aproximando e se apaixonando.


A construção visual do filme torna fácil compreender a razão de Pedro dar tanto valor às suas performances via internet. Se seu cotidiano é carregado de tons de cinza frios e sem vida, suas performances são repletas de cor e energia. Durante as apresentações o protagonista se sente verdadeiramente livre, de sua timidez, dos preconceitos que sofre e da própria solidão, então ao saber de Leo, é compreensível que Pedro reaja como se sua existência inteira estivesse sendo ameaçada.

A trama comenta sobre como as redes digitais fazem pouco para aplacar a solidão que acomete muita gente em grandes metrópoles. Apesar de ter vários fãs na internet, Pedro não tem deles nenhum tipo de afeto ou suporte, sendo visto por seus espectadores mais como um objeto de fetiche do que uma pessoa. A jornada de Pedro também mostra como o preconceito e a homofobia o empurra cada vez mais para as margens e quanto mais isolado e marginalizado, mais vulnerável à exploração de outros ele fica, algo denotado pela cena envolvendo um agressivo garoto de programa.

A solidão de Pedro, no entanto, acaba gerando alguns problemas no modo como o filme transmite ao público informações sobre o personagem, recorrendo continuadamente a diálogos excessivamente expositivos, como a conversa envolvendo um colega de trabalho da irmã ou o encontro fortuito com a mãe de um antigo amigo, que não tem qualquer outro propósito além de explicar coisas sobre o personagem. Até mesmo algumas situações que inicialmente parece ser importantes para o andamento do filme, como a briga com antigos colegas de faculdade, existem apenas para o filme explicar o passado do personagem e não tem muita repercussão adiante.

Outro problema é o modo como o filme cria expectativas para certos conflitos que acabam não acontecendo, fazendo o texto soar incoerente. Em uma cena conversando com a advogada, Pedro diz que a avó não pode saber do processo judicial ao qual ele está respondendo. No entanto, quando avó aparece, ela não parece ter problema nenhum com o que está acontecendo com o neto, com a sexualidade dele ou o modo como ganha a vida, nos fazendo questionar qual, afinal, a razão da preocupação inicial de Pedro.

Também é estranho que ele, tão adepto a conversas via webcam e tão ligado à irmã sequer tente conversar uma vez. Seria algo fácil de contornar, bastava mostrá-lo fazendo uma vídeo-chamada na qual a irmã atendesse e estivesse cercada de amigos ou com algum novo interesse romântico fazendo Pedro se sentir substituído e deixado de lado ao ponto de não tentar falar com ela novamente. Aliás, como Pedro é tão isolado e silencioso sabemos tão pouco a seu respeito que ele por vezes ele soa como alguém muito unidimensional, sendo definido apenas por suas performances neon.

De todo modo, esses problemas não tiram o impacto do singelo final, no qual o protagonista finalmente se sente confortável para ser ele mesmo em público e exibir o brilho que lhe faz tão bem. Tinta Bruta aborda com sensibilidade o isolamento causado pelo preconceito, ainda que excessos de exposição e alguns elementos da narrativa não funcionem como deveriam.


Nota: 6/10

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema.

Trailer

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