Quando foi lançado em 1991, Na Onda do Rap era vendido como uma nova
versão do filme O Selvagem (1953)
colocando Rob Van Winkle no papel que foi tornado célebre por Marlon Brando.
Não sabe quem é Van Winkle? Talvez vocês o conheçam melhor por seu nome
artístico, o rapper Vanilla Ice. O
quê? Não sabem quem é Vanilla Ice? Bem, ele foi famoso por um tempo na década
de noventa graças à canção Ice Ice Baby.
Vocês também não conhecem essa música? Não os culpo, é uma canção famosa
principalmente pela batida, que na verdade é um sample das batidas iniciais da música Under Pressure do Queen.
De todo modo, os responsáveis por
este filme acharam uma boa ideia chamar um rapper
famoso por uma única música cujo principal mérito artístico pertencia a uma
outra canção para fazer um papel que Marlon Brando tornou icônico e lógico que
isso dá muito errado. Sim, imagino que o objetivo era promover o cantor e
lucrar em cima da imagem dele, colocando-o como um galã rebelde, mas primeiro
deveriam ter se certificado se Ice era realmente capaz de convencer dessa
imagem.
Além do filme ter sido um fracasso de público e crítica, a mudança dos paradigmas culturais, com o lançamento do disco Nevermind do Nirvana cerca um mês antes de Na Onda do Rap chegar aos cinemas colocando o grunge rock como a próxima grande onda, garantiram que Ice caísse no ostracismo. Ocasionalmente ele tenta retornar aos holofotes através de participações em reality shows e pontas nos filmes do Adam Sandler (como Esse é Meu Garoto), mas Vanilla Ice nunca chegou perto de recuperar a fama de outrora.
Apesar de ser anunciado como uma
nova versão de O Selvagem, a trama em
si guarda pouca semelhança com o clássico protagonizado por Marlon Brando.
Aqui, Johnny (Vanilla Ice) chega a uma pequena cidade interiorana depois que a
moto de um de seus amigos quebra e ele precisa consertá-la. Na cidade Johnny
conhece e se apaixona por Kathy (Kristin Minter), mas o pai dela, Gordon
(Michael Gross) não quer Johnny por perto.
A razão de Gordon não querer o
jovem com a filha não é por discordar da vida largada do rapaz ou sua
personalidade rebelde, mas por Gordon e a família estarem no programa de
proteção à testemunha e Gordon crê que Johnny está envolvido com os criminosos
que estão atrás dele e da família. O motivo desse engano é uma série de
coincidências e desencontros forçados que tentam enfiar de qualquer jeito um
conflito em uma narrativa que não possui nenhum.
O texto é cheio de furos e
motivações mal explicadas, como o fato dos bandidos em busca de Gordon e da
família dele o encontram depois que Kathy dá uma entrevista na televisão e ele
aparece ao lado dela. Ora, se o pai sabia que haviam bandidos atrás dele,
porque achou que se expor na televisão era uma boa ideia? Além disso, quando os
bandidos chegam à porta dele, Gordon fica estranhamente passivo. Ele não tenta
fugir com a família, contatar as autoridades ou mesmo comprar uma arma para se
defender (e ele é um ex-policial), ele apenas senta no escuro se lamentando. É
apenas quando o filho é sequestrado pelos vilões que Gordon decide chamar a
polícia local, mas a crise é desprovida de tensão porque Johnny facilmente
resgata o garoto e captura os bandidos.
No lado romântico as coisas
também não funcionam muito bem. Não há nenhum motivo para Johnny se sentir
atraído por Kathy além da necessidade do roteiro e os modos como ele tenta
conquistá-la são os piores possíveis. Primeiro ele para a moto bruscamente na
frente da garota quando ela está andando a cavalo, afinal, nada melhor para
chamar a atenção de alguém do que quase causar um acidente que pode ferir
gravemente a pessoa pela qual se está interessado. Depois ele rouba a agenda
dela, que está com o cheque que Kathy precisa enviar para a faculdade, apenas
para que ela vá procurá-lo. Faz sentido, pois que mulher não se apaixonaria por
um completo estranho vestindo mais cores que um palhaço de circo, que a rouba e
arrisca tirar dela a chance de cursar ensino superior apenas para descolar um
encontro?
Não ajuda que os diálogos entre
os dois sejam constrangedores na maior parte do tempo, gerando mais vergonha
alheia do que romantismo. Vergonha alheia também é o sentimento passado pela
atuação, ou melhor, “atuação” de Ice, que a todo tempo tenta “sensualizar”
fazendo biquinho e semicerrando os olhos enquanto larga seus diálogos com uma
inexpressividade digna do mítico Cigano Igor da novela Explode Coração. Os demais personagens variam entre o
constrangimento, como o atrapalhado e irritante mecânico responsável por
consertar as motos da gangue de Johnny, e o inútil, como os membros da gangue
de Johnny que não tem nada a fazer o filme inteiro e não servem a propósito
algum.
Algumas cenas têm apresentações
musicais, feitas para promover as músicas de Vanilla Ice, mas assistindo elas
fica fácil entender o porquê do rapper
ter caído no ostracismo. Na verdade, a única coisa surpreendente nesse filme
foi descobrir que esse foi um dos primeiros trabalhos Janusz Kaminski como
diretor de fotografia. Para quem não o conhece, ele tem uma longeva parceria
com Steven Spielberg trabalhando em A
Lista de Schindler (1993), O Resgate
do Soldado Ryan (1998), Minority
Report (2002) e vários outros.
Vazio, incoerente, sem empolgação
e em muitos momentos constrangedor, Na
Onda do Rap é daqueles filmes que não tem nenhuma razão de existir além de
ser uma tentativa tosca de tentar arrecadar uns trocados as custas de seu astro principal antes que sua carreira inevitavelmente caísse no esquecimento.
Trailer
2 comentários:
Nostálgico,
O filme tinha tudo para dar errado
E deu errado...
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