segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Lixo Extraordinário – Na Onda do Rap


Crítica - Na Onda do Rap


Review Cool as IceQuando foi lançado em 1991, Na Onda do Rap era vendido como uma nova versão do filme O Selvagem (1953) colocando Rob Van Winkle no papel que foi tornado célebre por Marlon Brando. Não sabe quem é Van Winkle? Talvez vocês o conheçam melhor por seu nome artístico, o rapper Vanilla Ice. O quê? Não sabem quem é Vanilla Ice? Bem, ele foi famoso por um tempo na década de noventa graças à canção Ice Ice Baby. Vocês também não conhecem essa música? Não os culpo, é uma canção famosa principalmente pela batida, que na verdade é um sample das batidas iniciais da música Under Pressure do Queen.

De todo modo, os responsáveis por este filme acharam uma boa ideia chamar um rapper famoso por uma única música cujo principal mérito artístico pertencia a uma outra canção para fazer um papel que Marlon Brando tornou icônico e lógico que isso dá muito errado. Sim, imagino que o objetivo era promover o cantor e lucrar em cima da imagem dele, colocando-o como um galã rebelde, mas primeiro deveriam ter se certificado se Ice era realmente capaz de convencer dessa imagem. 

Além do filme ter sido um fracasso de público e crítica, a mudança dos paradigmas culturais, com o lançamento do disco Nevermind do Nirvana cerca um mês antes de Na Onda do Rap chegar aos cinemas colocando o grunge rock como a próxima grande onda, garantiram que Ice caísse no ostracismo. Ocasionalmente ele tenta retornar aos holofotes através de participações em reality shows e pontas nos filmes do Adam Sandler (como Esse é Meu Garoto), mas Vanilla Ice nunca chegou perto de recuperar a fama de outrora.

Apesar de ser anunciado como uma nova versão de O Selvagem, a trama em si guarda pouca semelhança com o clássico protagonizado por Marlon Brando. Aqui, Johnny (Vanilla Ice) chega a uma pequena cidade interiorana depois que a moto de um de seus amigos quebra e ele precisa consertá-la. Na cidade Johnny conhece e se apaixona por Kathy (Kristin Minter), mas o pai dela, Gordon (Michael Gross) não quer Johnny por perto.

A razão de Gordon não querer o jovem com a filha não é por discordar da vida largada do rapaz ou sua personalidade rebelde, mas por Gordon e a família estarem no programa de proteção à testemunha e Gordon crê que Johnny está envolvido com os criminosos que estão atrás dele e da família. O motivo desse engano é uma série de coincidências e desencontros forçados que tentam enfiar de qualquer jeito um conflito em uma narrativa que não possui nenhum.

O texto é cheio de furos e motivações mal explicadas, como o fato dos bandidos em busca de Gordon e da família dele o encontram depois que Kathy dá uma entrevista na televisão e ele aparece ao lado dela. Ora, se o pai sabia que haviam bandidos atrás dele, porque achou que se expor na televisão era uma boa ideia? Além disso, quando os bandidos chegam à porta dele, Gordon fica estranhamente passivo. Ele não tenta fugir com a família, contatar as autoridades ou mesmo comprar uma arma para se defender (e ele é um ex-policial), ele apenas senta no escuro se lamentando. É apenas quando o filho é sequestrado pelos vilões que Gordon decide chamar a polícia local, mas a crise é desprovida de tensão porque Johnny facilmente resgata o garoto e captura os bandidos.

No lado romântico as coisas também não funcionam muito bem. Não há nenhum motivo para Johnny se sentir atraído por Kathy além da necessidade do roteiro e os modos como ele tenta conquistá-la são os piores possíveis. Primeiro ele para a moto bruscamente na frente da garota quando ela está andando a cavalo, afinal, nada melhor para chamar a atenção de alguém do que quase causar um acidente que pode ferir gravemente a pessoa pela qual se está interessado. Depois ele rouba a agenda dela, que está com o cheque que Kathy precisa enviar para a faculdade, apenas para que ela vá procurá-lo. Faz sentido, pois que mulher não se apaixonaria por um completo estranho vestindo mais cores que um palhaço de circo, que a rouba e arrisca tirar dela a chance de cursar ensino superior apenas para descolar um encontro?

Não ajuda que os diálogos entre os dois sejam constrangedores na maior parte do tempo, gerando mais vergonha alheia do que romantismo. Vergonha alheia também é o sentimento passado pela atuação, ou melhor, “atuação” de Ice, que a todo tempo tenta “sensualizar” fazendo biquinho e semicerrando os olhos enquanto larga seus diálogos com uma inexpressividade digna do mítico Cigano Igor da novela Explode Coração. Os demais personagens variam entre o constrangimento, como o atrapalhado e irritante mecânico responsável por consertar as motos da gangue de Johnny, e o inútil, como os membros da gangue de Johnny que não tem nada a fazer o filme inteiro e não servem a propósito algum.

Algumas cenas têm apresentações musicais, feitas para promover as músicas de Vanilla Ice, mas assistindo elas fica fácil entender o porquê do rapper ter caído no ostracismo. Na verdade, a única coisa surpreendente nesse filme foi descobrir que esse foi um dos primeiros trabalhos Janusz Kaminski como diretor de fotografia. Para quem não o conhece, ele tem uma longeva parceria com Steven Spielberg trabalhando em A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998), Minority Report (2002) e vários outros.

Vazio, incoerente, sem empolgação e em muitos momentos constrangedor, Na Onda do Rap é daqueles filmes que não tem nenhuma razão de existir além de ser uma tentativa tosca de tentar arrecadar uns trocados as custas de seu astro principal antes que sua carreira inevitavelmente caísse no esquecimento.

Trailer

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