Dizer que Assunto de
Família é uma espécie de drama sobre uma família de criminosos pode,
talvez, dar uma impressão errada sobre o que ele é. Afinal, quando falamos de
dramas sobre famílias criminosas imediatamente imaginamos histórias sobre máfia
e sindicatos criminosos, mas o filme de Hirokazu Kore-eda é menos sobre crime
ou poder e mais sobre os laços que unem ou separam a unidade da família
protagonista.
O casal Osamu (Franky Lilly) e Nobuyo (Ando Sakura) vive em
uma pequena casa junto com o filho Shota (Jyo Kairi), a irmã mais jovem de Nobuyo,
Aki (Matsuoka Mayu), e a avó cuja pensão parece ser o principal sustento da
família. As relações entre eles não ficam claras desde o início, deixando
algumas dúvidas se eles são parentes de sangue, de criação ou consideração, mas
é justamente sobre a natureza implícita dessas relações e os sentimentos não
externados pelos personagens que muitos dos conflitos vão emergir.
Além da pensão da avó, muito do sustento da família vem de
pequenos furtos. Nobuyo rouba itens de seu trabalho enquanto que Osamu e Shota
roubam mercadorias em lojas e mercados. A natureza acumuladora dos personagens
é refletida na própria casa, cheia de caixas, objetos, brinquedos e todo tipo
de tralha empilhada por todos os cantos, reduzindo ainda mais o já diminuto
espaço do lugar. A família se expande quando o casal encontra a menina Juri
(Sasaki Miyu) abandonada na frente da residência deles e Nobuyo decide levá-la
para casa.
Juri não fala muito, mas as cicatrizes dela dizem muito
sobre a vida que ela tinha com os pais, assim a menina começa a morar com os
protagonistas. Kore-eda nos conduz sem pressa e sem afetação pelo cotidiano e
aos poucos vamos percebendo o afeto genuíno que existe entre aquelas pessoas,
assim como a existência de uma série de questões latentes.
A primeira uma hora e meia de filme trabalha para nos deixar
imersos no cotidiano da família, nos dilemas cotidianos e aparentemente banais
deles, como o fato de Osamu e Nobuyo não encontrarem tempo ou espaço para
fazerem sexo ou o sentimento de deslocamento de Juri enquanto ela se acostuma
ao seu novo cotidiano e a família tenta desfazer os traumas acumulados pela
menina. A câmera de Kore-eda nos mostra com habilidade o desamparo da solidão
enfrentada por muitos desses personagens assim como as dificuldades (físicas e
emocionais) de viverem todos juntos, algo que parece paradoxal, mas sintetiza
muito bem a condição humana e a realidade da vida em família.
Já a meia hora final confronta os personagens com todos os
problemas que eles evitaram discutir até então, como o fato de Shota não
entender porque Osamu não o coloca na escola ou de onde vinha a renda da avó,
colocando os personagens em colisão uns com os outros e fazendo-os questionar a
força dos laços que construíram até então. Nesse sentido, a trama produz uma
potente reflexão sobre a natureza da família e seus elementos constitutivos.
Afinal, família se define apenas pelo parentesco sanguíneo ou são os laços de
afeto, cuidado e preocupação que estão no cerne desse construto social?
Assunto de Família
é uma potente reflexão sobre abandono e afeto, sobre como nos perdemos e nos
encontramos uns com os outros, sobre o que faz uma família ser o que é, tudo
conduzido com muita delicadeza e sem didatismos por Hirokazu Kore-eda.
Nota: 9/10
Trailer
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