terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Crítica – Assunto de Família


Análise Crítica – Assunto de Família


Review – Assunto de Família
Dizer que Assunto de Família é uma espécie de drama sobre uma família de criminosos pode, talvez, dar uma impressão errada sobre o que ele é. Afinal, quando falamos de dramas sobre famílias criminosas imediatamente imaginamos histórias sobre máfia e sindicatos criminosos, mas o filme de Hirokazu Kore-eda é menos sobre crime ou poder e mais sobre os laços que unem ou separam a unidade da família protagonista.

O casal Osamu (Franky Lilly) e Nobuyo (Ando Sakura) vive em uma pequena casa junto com o filho Shota (Jyo Kairi), a irmã mais jovem de Nobuyo, Aki (Matsuoka Mayu), e a avó cuja pensão parece ser o principal sustento da família. As relações entre eles não ficam claras desde o início, deixando algumas dúvidas se eles são parentes de sangue, de criação ou consideração, mas é justamente sobre a natureza implícita dessas relações e os sentimentos não externados pelos personagens que muitos dos conflitos vão emergir.

Além da pensão da avó, muito do sustento da família vem de pequenos furtos. Nobuyo rouba itens de seu trabalho enquanto que Osamu e Shota roubam mercadorias em lojas e mercados. A natureza acumuladora dos personagens é refletida na própria casa, cheia de caixas, objetos, brinquedos e todo tipo de tralha empilhada por todos os cantos, reduzindo ainda mais o já diminuto espaço do lugar. A família se expande quando o casal encontra a menina Juri (Sasaki Miyu) abandonada na frente da residência deles e Nobuyo decide levá-la para casa.

Juri não fala muito, mas as cicatrizes dela dizem muito sobre a vida que ela tinha com os pais, assim a menina começa a morar com os protagonistas. Kore-eda nos conduz sem pressa e sem afetação pelo cotidiano e aos poucos vamos percebendo o afeto genuíno que existe entre aquelas pessoas, assim como a existência de uma série de questões latentes.

A primeira uma hora e meia de filme trabalha para nos deixar imersos no cotidiano da família, nos dilemas cotidianos e aparentemente banais deles, como o fato de Osamu e Nobuyo não encontrarem tempo ou espaço para fazerem sexo ou o sentimento de deslocamento de Juri enquanto ela se acostuma ao seu novo cotidiano e a família tenta desfazer os traumas acumulados pela menina. A câmera de Kore-eda nos mostra com habilidade o desamparo da solidão enfrentada por muitos desses personagens assim como as dificuldades (físicas e emocionais) de viverem todos juntos, algo que parece paradoxal, mas sintetiza muito bem a condição humana e a realidade da vida em família.

Já a meia hora final confronta os personagens com todos os problemas que eles evitaram discutir até então, como o fato de Shota não entender porque Osamu não o coloca na escola ou de onde vinha a renda da avó, colocando os personagens em colisão uns com os outros e fazendo-os questionar a força dos laços que construíram até então. Nesse sentido, a trama produz uma potente reflexão sobre a natureza da família e seus elementos constitutivos. Afinal, família se define apenas pelo parentesco sanguíneo ou são os laços de afeto, cuidado e preocupação que estão no cerne desse construto social?

Assunto de Família é uma potente reflexão sobre abandono e afeto, sobre como nos perdemos e nos encontramos uns com os outros, sobre o que faz uma família ser o que é, tudo conduzido com muita delicadeza e sem didatismos por Hirokazu Kore-eda.

Nota: 9/10

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