Em 2017 o Fyre Festival foi vendido como o próximo grande
festival de música. Mais que música, o festival seria uma experiência. As
pessoas iriam para uma exótica ilha nas Bahamas, uma ilha que teria pertencido
ao traficante Pablo Escobar, ficariam em casas de luxo de frente para o mar,
conviveriam com celebridades e top models
durante a estadia e, claro, assistiriam shows de grandes bandas. A questão é
que o público pagante e até mesmo os convidados não receberam nada do que foi
prometido.
Dirigido por Chris Smith, responsável pelo ótimo Jim & Andy: The Great Beyond (2017),
o documentário faz uma crônica do desastre anunciado que foi a organização do evento. O festival, por sinal, deveria ser apenas uma plataforma para divulgar o aplicativo
Fyre, uma espécie de Uber para artistas no qual o usuário poderia contratar
diretamente artistas da música para shows privados.
Muito do tempo é usado para nos explicar quem é Billy
McFarland, o empresário responsável pelo festival e o aplicativo Fyre. A narrativa
nos mostra o histórico de diferentes empreendimentos fraudulentos de McFarland
e como ele é mais um estelionatário do que empreendedor. Imagens de arquivo e
depoimentos de funcionários que trabalharam com Billy na organização do
festival ou na criação do aplicativo descrevem um sujeito que parecia não se
importar nem um pouco com os problemas e potenciais riscos ao consumidor que
eram comunicados a ele e constantemente mandava os empregados maquiarem esses problemas ao invés de resolvê-los. Em um dado momento um dos
funcionários narra que Billy pediu que ele fizesse sexo oral em um oficial da
alfândega das Bahamas para poder liberar mercadorias que estavam transportando
para o festival.
Além de narrar as dificuldades dos funcionários e o modo
como Billy calava os questionamentos e objeções, o filme também mostra as
reações dos consumidores quando chegaram no dia do festival. As imagens,
captadas dos celulares do público, são de cunho tragicômico. Há algo de cômico
em ver aquele monte de riquinhos e youtubers
desesperados ao verem que o sonho de viver como milionário e flertar com
supermodelos era uma grande enganação, sendo tudo que tinham eram tendas no meio do
mato sem eletricidade, segurança ou saneamento. Por outro lado é lamentável o
comportamento quase que bestial dessas pessoas uma vez que percebem a roubada
em que se meteram e começam a saquear as tendas por comida, água, colchões ou
até mesmo papel higiênico, como um Senhor
das Moscas ou Jogos Vorazes da
vida real.
Tudo isso é mostrado para produzir uma reflexão sobre nossa
relação com as mídias sociais e modo como consumimos imagens cuidadosamente
construídas para nos dar a impressão de que esses influenciadores digitais
vivem vidas perfeitas, tem corpos perfeitos, são profissionais perfeitos, mães
perfeitas, enfiam criam imagens com as quais ninguém é capaz de se equiparar.
Considerando que o festival foi quase inteiro vendido em
cima de imagens de modelos chamadas para a ilha meses antes, o documentário
chama atenção para o modo como essas imagens são consumidas acriticamente
enquanto as pessoas perseguem esses ideais de perfeição ou sucesso que, como o
fracasso do festival mostra, não são alcançáveis. Assim, mais do que uma
investigação sobre um empresário fraudulento ou um festival mal organizado, o
documentário chama a atenção para os riscos e a toxicidade de pautarmos nossas
ações acreditando em termos uma “vida de Instagram”.
Os danos não se restringem apenas aos consumidores lesados,
mas aos trabalhadores locais das Bahamas que não receberam um tostão sequer.
Uma dona de buffet local chora ao
dizer que não foi paga pelo serviço prestado e acabou sendo hostilizada por
conhecidos que trabalharam com ela fazendo a comida para o festival,
obrigando-a a usar todas as suas economias para pagar os funcionários. Outro,
responsável pela construção, diz que não pode sair na rua sem ser cobrado, já
que empregou praticamente todos os trabalhadores disponíveis da pequena ilha e
ninguém viu um centavo. Tudo isso remete a uma espécie de neocolonialismo
tacanho, no qual um americano rico (ou pretensamente rico) vai a um país pobre
e explora sua força de trabalho sem qualquer preocupação com eles e não lida
com nenhuma das consequências disso (os processos que ele responde são pelas
fraudes cometidas nos EUA).
Algumas ausências na investigação do documentário chamam
bastante atenção, em especial o silêncio em relação ao rapper Ja Rule. Sócio de McFarland durante todo o empreendimento do
Fyre (aplicativo e festival), o documentário nunca se esforça para explicar
qual o nível de envolvimento do músico naquele fiasco ou investigar se ele
deveria ser responsabilizado ou não pelo que aconteceu tanto quanto Billy.
Considerando que McFarland não tem os meios financeiros para pagar todas as
pessoas em que deu calote, não caberia a Rule, o sócio em quitar as
responsabilidades financeiras da empresa? Existe um processo em relação a isso?
O documentário não diz, assim como não menciona qualquer tentativa de
entrevistar o rapper, o que é
bastante estranho considerando que, ao menos inicialmente, ele teve um papel
bastante central.
Fyre Festival: Fiasco no Caribe acaba
sendo uma competente exploração dos efeitos nocivos de nossa relação com as
imagens produzidas em redes sociais e um lembrete da velha máxima de que nem
tudo que reluz é ouro.
Nota: 7/10
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