sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Crítica – Fyre Festival: Fiasco no Caribe


Análise Crítica – Fyre Festival: Fiasco no Caribe


Review – Fyre Festival: Fiasco no Caribe
Em 2017 o Fyre Festival foi vendido como o próximo grande festival de música. Mais que música, o festival seria uma experiência. As pessoas iriam para uma exótica ilha nas Bahamas, uma ilha que teria pertencido ao traficante Pablo Escobar, ficariam em casas de luxo de frente para o mar, conviveriam com celebridades e top models durante a estadia e, claro, assistiriam shows de grandes bandas. A questão é que o público pagante e até mesmo os convidados não receberam nada do que foi prometido.

Dirigido por Chris Smith, responsável pelo ótimo Jim & Andy: The Great Beyond (2017), o documentário faz uma crônica do desastre anunciado que foi a organização do evento. O festival, por sinal, deveria ser apenas uma plataforma para divulgar o aplicativo Fyre, uma espécie de Uber para artistas no qual o usuário poderia contratar diretamente artistas da música para shows privados.

Muito do tempo é usado para nos explicar quem é Billy McFarland, o empresário responsável pelo festival e o aplicativo Fyre. A narrativa nos mostra o histórico de diferentes empreendimentos fraudulentos de McFarland e como ele é mais um estelionatário do que empreendedor. Imagens de arquivo e depoimentos de funcionários que trabalharam com Billy na organização do festival ou na criação do aplicativo descrevem um sujeito que parecia não se importar nem um pouco com os problemas e potenciais riscos ao consumidor que eram comunicados a ele e constantemente mandava os empregados maquiarem esses problemas ao invés de resolvê-los. Em um dado momento um dos funcionários narra que Billy pediu que ele fizesse sexo oral em um oficial da alfândega das Bahamas para poder liberar mercadorias que estavam transportando para o festival.

Além de narrar as dificuldades dos funcionários e o modo como Billy calava os questionamentos e objeções, o filme também mostra as reações dos consumidores quando chegaram no dia do festival. As imagens, captadas dos celulares do público, são de cunho tragicômico. Há algo de cômico em ver aquele monte de riquinhos e youtubers desesperados ao verem que o sonho de viver como milionário e flertar com supermodelos era uma grande enganação, sendo tudo que tinham eram tendas no meio do mato sem eletricidade, segurança ou saneamento. Por outro lado é lamentável o comportamento quase que bestial dessas pessoas uma vez que percebem a roubada em que se meteram e começam a saquear as tendas por comida, água, colchões ou até mesmo papel higiênico, como um Senhor das Moscas ou Jogos Vorazes da vida real.

Tudo isso é mostrado para produzir uma reflexão sobre nossa relação com as mídias sociais e modo como consumimos imagens cuidadosamente construídas para nos dar a impressão de que esses influenciadores digitais vivem vidas perfeitas, tem corpos perfeitos, são profissionais perfeitos, mães perfeitas, enfiam criam imagens com as quais ninguém é capaz de se equiparar.

Considerando que o festival foi quase inteiro vendido em cima de imagens de modelos chamadas para a ilha meses antes, o documentário chama atenção para o modo como essas imagens são consumidas acriticamente enquanto as pessoas perseguem esses ideais de perfeição ou sucesso que, como o fracasso do festival mostra, não são alcançáveis. Assim, mais do que uma investigação sobre um empresário fraudulento ou um festival mal organizado, o documentário chama a atenção para os riscos e a toxicidade de pautarmos nossas ações acreditando em termos uma “vida de Instagram”.

Os danos não se restringem apenas aos consumidores lesados, mas aos trabalhadores locais das Bahamas que não receberam um tostão sequer. Uma dona de buffet local chora ao dizer que não foi paga pelo serviço prestado e acabou sendo hostilizada por conhecidos que trabalharam com ela fazendo a comida para o festival, obrigando-a a usar todas as suas economias para pagar os funcionários. Outro, responsável pela construção, diz que não pode sair na rua sem ser cobrado, já que empregou praticamente todos os trabalhadores disponíveis da pequena ilha e ninguém viu um centavo. Tudo isso remete a uma espécie de neocolonialismo tacanho, no qual um americano rico (ou pretensamente rico) vai a um país pobre e explora sua força de trabalho sem qualquer preocupação com eles e não lida com nenhuma das consequências disso (os processos que ele responde são pelas fraudes cometidas nos EUA).

Algumas ausências na investigação do documentário chamam bastante atenção, em especial o silêncio em relação ao rapper Ja Rule. Sócio de McFarland durante todo o empreendimento do Fyre (aplicativo e festival), o documentário nunca se esforça para explicar qual o nível de envolvimento do músico naquele fiasco ou investigar se ele deveria ser responsabilizado ou não pelo que aconteceu tanto quanto Billy. Considerando que McFarland não tem os meios financeiros para pagar todas as pessoas em que deu calote, não caberia a Rule, o sócio em quitar as responsabilidades financeiras da empresa? Existe um processo em relação a isso? O documentário não diz, assim como não menciona qualquer tentativa de entrevistar o rapper, o que é bastante estranho considerando que, ao menos inicialmente, ele teve um papel bastante central.

Fyre Festival: Fiasco no Caribe acaba sendo uma competente exploração dos efeitos nocivos de nossa relação com as imagens produzidas em redes sociais e um lembrete da velha máxima de que nem tudo que reluz é ouro.

Nota: 7/10

Trailer

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