A ideia da Sony fazer uma animação baseada nas múltiplas
versões do Homem-Aranha parecia apenas uma estratégia caça-níqueis do estúdio
para lucrar com o personagem sem precisar ceder o controle à Marvel como em Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017).
Não esperava muita coisa, mas o que encontrei foi, talvez, o melhor filme do
aracnídeo desde Homem-Aranha 2 (2004)
do Sam Raimi.
A trama acompanha Miles Morales (Shameik Moore) que, tal
como aconteceu com Peter Parker (Chris Pine), também é mordido por uma aranha
radioativa e ganha poderes especiais. As coisas se complicam quando um colisor
de partículas usado pelo Rei do Crime (Liev Schrieber) abre um portal para
múltiplas dimensões trazendo versões do Homem-Aranha de diferentes universos.
Assim, Miles precisará trabalhar com esses outros heróis, como Peter B. Parker
(Jake Johnson), um Aranha fora de forma e em fim de carreira, a Gwen Aranha
(Hailee Steinfeld), o Homem-Aranha Noir (Nicolas Cage), Peni Parker (Kimiko Glen),
uma menina japonesa dentro de um robô aracnídeo, e o Porco-Aranha (John
Mulaney), um porco antropomórfico que também tem poderes de aranha.
A animação tenta emular um visual de quadrinhos em
movimento, usando muitos efeitos, filtros e retículas que vemos constantemente
nas páginas além de balões de pensamento ou caixas de texto contendo narrações
ou textos de onomatopeias aparecendo a cada golpe ou impacto. É colorido,
vibrante e cheio de personalidade, além de misturar alguns estilos diferentes
de animação a partir dos diferentes personagens, como o fato de Peni remeter a
uma personagem saída diretamente de um anime ou toda a movimentação do
Porco-Aranha parecer com os desenhos dos Looney Toons, incluindo uma piada
envolvendo o também porco Gaguinho e seu bordão “Por hoje é só pessoal”.
Apesar de toda a maluquice com a ideia de multiverso e
várias versões do Homem-Aranha, a trama dá seu tempo para desenvolver Miles e o
aprendizado em dominar suas novas habilidades. Seria fácil recorrer ao clichê
da montagem de treinamento rapidamente mostrando o aprendizado do protagonista
sob a tutela de Peter B. Parker, mas ao invés disso, o filme permite que
vejamos o passo a passo disso e o desenvolvimento da relação entre os dois
personagens.
Como um herói veterano e que já passou por sua cota de
decepção Peter não tem muita paciência com Miles e prefere encerrar sua missão
com a ajuda dos demais heróis do que ensinar o novato. Já Miles precisa passar
por todo o aprendizado sobre poder, responsabilidade e família que os heróis de
outra dimensão já passaram. Mesmo com o arco de Miles parecendo familiar
demais, ele funciona justamente com o tempo dedicado a desenvolver a relação
entre ele, o pai, Jefferson (Brian Tyree Henry), e o tio Aaron (Mahershala Ali)
que possuem uma complicada relação familiar. O resultado desse cuidado e falta
de pressa é uma narrativa que consegue fazer rir e emocionar em iguais medidas,
já que de fato ficamos investidos no círculo familiar de Miles.
É um texto que realmente entende o que significa ser o
Homem-Aranha e reverbera isso nas muitas versões do personagem, como a relação
entre Peter e a tia May (Lily Tomlin) ou na dor de Gwen em ter deixado o Peter
de seu universo morrer. Até mesmo o vilão Rei do Crime tem uma motivação compreensível
para suas ações, embora, claro, não chegue à mesma complexidade de sua
contraparte de carne e osso na série Demolidor,
e essa humanidade construída nele permite que ele se torne ainda mais ameaçador
por sabermos do desespero e urgência que ele tem para atingir seus objetivos.
Os outros personagens podem não ter tanto desenvolvimento, mas também tem seus
momentos marcantes, com Nicolas Cage acertando no tom áspero e sombrio do
Homem-Aranha Noir enquanto que o Porco-Aranha diverte sempre que está em
cena.
Vibrante, enérgico, divertido e
encantador, Homem-Aranha no Aranhaverso
é uma afetuosa homenagem ao universo (ou melhor, multiverso) do amigão da
vizinhança e um dos melhores filmes do personagem em muito tempo.
Nota: 9/10
Trailer
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