Quando escrevi sobre o péssimo Mentes Sombrias (2018) falei sobre como o subgênero da “distopia
adolescente” já estava desgastado e parecia não dar sinais de renovação. Eis
que chega aos cinemas Máquinas Mortais,
mais uma aventura jovem baseada em uma obra literária sobre um mundo distópico,
dessa vez há o nome de Peter Jackson, responsável pelas trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit, na produção e no roteiro, mas
nem mesmo Jackson consegue resgatar esse filão das suas estruturas cansadas e
repetitivas, fazendo de Máquinas Mortais
mais uma distopia genérica.
A trama se passa em futuro no qual a humanidade foi quase
que inteiramente dizimada e as poucas cidades que restaram vagam o mundo como
fortalezas móveis em busca de recursos que estão cada vez mais escassos,
destruindo umas as outras para se manterem funcionando. Em meio à tudo isso
está Hester Shaw (Hera Hilmar), uma jovem misteriosa que invade a cidade móvel
de Londres para assassinar o cientista Thaddeus Valentine (Hugo Weaving) para
vingar a morte da mãe.
É impressionante como o texto escrito por Jackson, Fran
Walsh e Philippa Boyens, o mesmo trio responsável pela colossal tarefa de
adaptar os três O Senhor dos Anéis em
forma de roteiro, consiga fazer a trama parecer tão truncada e arrastada. O
roteiro joga longos diálogos expositivos atrás de longos diálogos expositivos
sem permitir que criemos qualquer conexão com aqueles personagens porque o filme
nos diz o tempo todo quem eles são e como eles estão se sentindo, mas nunca dá
espaço para que vejamos eles demonstrarem seus sentimentos ou conexões.
Dessa forma, fica difícil se importar com o romance entre
Hester e Tom (Robert Sheehan) porque ele acontece apenas porque o roteiro
decidiu que tinha que acontecer, nunca dando uma motivação plausível para o
romance nem nos mostrando nos personagens a existência desse afeto. O mesmo
acontece com a complicada relação entre Hester e o ciborgue Shrike (Stephen
Lang): o texto nos informa que ele é importante para garota e que os dois foram
muito próximos, mas nunca percebemos ou sentimos essa proximidade. Não ajuda
que a atriz Hera Hilmar pese a mão no estoicismo da personagem, fazendo Hester
soar mais inexpressiva do que durona.
É curioso que Hugo Weaving, que nos últimos anos chegou a
criticar em entrevistas os papéis de vilão que fez em blockbusters como o primeiro Transformers
(2007) ou Capitão América: O Primeiro
Vingador (2011), tenha aceitado fazer um personagem tão vazio. Valentine é
aquele tipo de vilão que é maligno sem motivo nenhum. Em um dado momento ele
diz que é impossível que cidades móveis como a dele consigam conviver com a
cidade estática de Shan Guo a leste do mundo, mas ele nunca dá uma razão para
essa convivência pacífica ser impossível. Em outra cena, ainda no início do
filme, ele joga Tom para fora da cidade simplesmente por ele ter falado com
Hester, sendo que o garoto não tinha nenhuma informação que pudesse prejudicar
os planos do vilão e não havia nenhuma motivação razoável para Valentine fazer
aquilo exceto para mostrar ao público o quanto ele é mau.
O único personagem minimamente interessante é Shrike, cuja
motivação para caçar Hester lhe dá alguma complexidade ao ter como finalidade
algo que é, na mente dele ao menos, um ato de piedade com a garota. O ciborgue,
no entanto, é completamente desperdiçado, não sendo nada além de um obstáculo
para os protagonistas e cujas ações não tem repercussão alguma no
desenvolvimento da trama. Sério pessoal, ele poderia ser removido por completo
que ainda assim tudo no filme aconteceria do mesmo jeito.
Outros personagens desaparecem por completo durante o filme
apesar da trama sugerir que eles seriam de alguma importância. Um exemplo é o
mecânico Bevis Pod (Ronan Aftery), que ajuda Katherine Valentine (Leila
George), filha de Thaddeus, a descobrir os planos malignos do pai e logo depois
some sem deixar vestígio e nunca mais é citado. Outro exemplo é Herbert (Andrew
Lees) que ganha uma promoção ao vilão depois de informá-lo do local em que Tom
escondia tecnologia militar antiga. Era de se imaginar que o personagem se
tornaria uma figura importante, que estivesse ao lado de Valentine durante a
batalha final, mas não, nós nunca mais o vemos depois dele vender as
informações ao vilão.
As grandes cidades móveis impressionam pelo seu senso de
escala e pelo design que torna crível
que essas gigantescas máquinas possam existir e se deslocar do modo como fazem
e a perseguição inicial é hábil em estabelecer o poderio delas. É uma pena, no
entanto, que daí em diante a trama não consiga criar nada de interessante em
termos de ação.
Em muitas cenas a ação é atrapalhada pela montagem
frenética, com um excesso de cortes que faz tudo parecer excessivamente
fragmentado, como na luta em um mercado de escravos ou quando Shrike ataca uma
fortaleza voadora. Outro problema é que a violência do filme é muito “limpa” e
sem muito sangue ou qualquer elemento mais explícito pouco sentimos que estamos
no deserto brutal, sanguinário e implacável no qual as pessoas precisam
recorrer até mesmo ao canibalismo, algo próximo a Mad Max: Estrada da Fúria (2015), que o texto tenta sugerir.
Muito das razões para a ação não funcionar também tem a ver
com o desenvolvimento frouxo do universo da trama. Afinal, se existem cidades
que prosperam sem serem máquinas móveis, porque essas grandes máquinas existem? Se é possível
viver de modo fixo, porque as pessoas se apoiam nessas grandes máquinas que
precisam de muitos recursos para se manterem móveis? Isso nunca é explicado na
trama (os livros explicam, mas o filme precisa funcionar por si só e não
depender da leitura do material original) e assim é difícil ficar imerso no
universo proposto.
É igualmente difícil se importar com os riscos envolvendo a
cidade de Shang Guo, já que nem a tínhamos visto até cinco minutos antes da
batalha final começar e como passamos pouco tempo no lugar ou com seus
habitantes, não há nenhum tipo de conexão que dê peso dramático ou afetivo para
o embate final. Tudo poderia render uma discussão sobre o modo irresponsável
com o qual a raça humana gasta os recursos naturais ou nossa obsessão pouco
saudável por tecnologia bélica, mas as questões são tratadas de modo raso
demais para render qualquer discussão.
Arrastado, desinteressante e vazio, Máquinas Mortais é mais um filme a mostrar que Hollywood devia dar
um tempo das distopias adolescentes. É aquele tipo de filme que você sai do
cinema se perguntando porque alguém achou uma boa ideia fazê-lo.
Nota: 4/10
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