Considerando que a Netflix vem cancelando todas as suas
séries com a Marvel em virtude de seu contrato de parceria estar chegando ao
fim e a Disney/Marvel estar criando uma plataforma própria streaming, não estava particularmente empolgado para assistir essa
segunda temporada de O Justiceiro
apenas para que ela fosse cancelada algumas semanas depois de ser
disponibilizada independente do quão boa seja. Demolidor, por exemplo, entregou uma excelente terceira temporada e
ainda assim foi cancelada por conta do iminente fim da parceria entre Marvel e
Netflix, então é bem provável que O
Justiceiro também seja, mesmo com esse segundo ano sendo razoavelmente tão
bom quanto o primeiro.
Frank Castle (Jon Bernthal) está viajando pelo interior dos
Estados Unidos tentando reconstruir sua vida. Ele conhece Beth (Alexa Davalos)
em um bar e se mostra disposto a se envolver com outra pessoa. Tudo muda quando
ele vê a garota Amy (Giorgia Wingham) sendo perseguida por um grupo de
criminosos e decide intervir. Aparentemente a jovem carrega consigo um rolo de
filme contendo material comprometedor e alguém poderoso quer garantir que ela e
o material sejam destruídos, colocando o assassino John Pilgrim (Josh Stewart)
no rastro da garota. Ao mesmo tempo, Billy Russo (Ben Barnes) acorda do coma
depois de quase ter sido morto por Frank na temporada anterior. Sem memória do
que ocorreu, Billy quer descobrir quem destruiu seu rosto.
O primeiro episódio da temporada desenvolve sem pressa o que
aconteceu com Frank depois do ano de estreia, mostrando o esforço dele em tentar
uma vida normal. É um pouco mais lento que o restante da temporada, mas
importante para lembrar que ainda existe um ser humano em algum lugar dentro de
Frank e não apenas raiva e luto. O resto da temporada, no entanto, flui bem
ágil, evitando os engasgos da primeira e de muitas outras séries da Netflix.
Por outro lado, fica a impressão, tal qual aconteceu com a segunda temporada de Demolidor, de
que estamos vendo quase que duas temporadas juntas em uma só. Digo isso porque
a trama de Amy e a trama de Billy são bem separadas uma da outra e quase não se
conectam. Assim que Frank e Amy chegam a Nova Iorque, Amy, Pilgrim e outros
personagens relevantes para a trama da garota praticamente somem por alguns
episódios para focar na relação entre Frank e Billy. Talvez tivesse sido melhor
levar o arco de Amy até o fim para só então entrar na trama de Billy, talvez
assim, não tivéssemos a impressão de que a série larga de mão o que deveria ser
sua trama principal por um punhado de episódios.
Mesmo com esse senso de desconexão, a temporada funciona por
conta da exploração da relação entre Frank e os dois vilões. Pilgrim, que
parece baseado no vilão dos quadrinhos chamado Menonita (e imagino que a
Netflix deve ter evitado usar o nome para não criar problemas com a religião
menonita), é um ex-neonazista que renasceu em Cristo e ocasionalmente faz o
trabalho sujo de um casal de políticos ultraconservadores. Assim como Frank ele
é alguém que tenta se afastar de seu passado de violência e reconstruir sua
vida, mas é constantemente puxado de volta para seus velhos hábitos.
Já Billy é quase como um reflexo distorcido de Frank, alguém
que o protagonista poderia ter se tornado se não tivesse uma família que o
amasse e o apoiasse. Ao contrário de Frank, Billy foi sempre sozinho e não
tinha nada para aliviar ou humanizar seu cotidiano de violência. Ben Barnes
inclusive injeta uma boa dose de humanidade em Billy, nos fazendo vê-lo como um
sujeito destruído, traumatizado e solitário ao invés de um mero psicopata
genérico. Isso ajuda a dar uma complexidade a Billy, embora ele não alcance o
alto nível de vilões como o Rei do Crime ou Kilgrave. As cicatrizes no rosto de
Billy, porém, falham em dar ao personagem o aspecto grotesco que o roteiro diz
que ele tem. São bem leves considerando o que Frank fez com ele no final da
primeira temporada e também o visual do vilão nos quadrinhos. Na verdade, a
série foca mais nas cicatrizes emocionais de Billy do que nas físicas.
Alguns personagens que retornam da temporada anterior acabam
tendo um pouco mais de espaço e um papel mais ativo no combate aos vilões, como
acontece com Madani (Amber Rose Revah) e Curtis (Jason R. Moore). Se o texto
acerta ao dar mais espaço para os personagens conhecidos, decepciona no
tratamento de muitos personagens novos. Beth acaba sendo reduzida ao clichê de
“mulher na geladeira”, uma personagem feminina que não tem qualquer outro
propósito a não sofrer uma violência para motivar o protagonista masculino. O
casal de políticos conservadores é pouco memorável, sendo o lugar-comum do
político inescrupuloso que já vimos inúmeras vezes. O texto também demora um
pouco a achar o tom certo para Amy, que começa como uma pirralha irritante, mas
depois começa a desenvolver melhor o laço de empatia entre ela e Frank.
A pior coisa da temporada, no entanto, é a psiquiatra Krista,
interpretada por Floriana Lima (a Maggie Sawyer de Supergirl), que fica responsável por tratar de Billy. A trama tenta
dar ela um certo ar de ambiguidade, tentando nos deixar em dúvida durante uma
parte da temporada se ela é uma profissional ingênua e idealista que
sinceramente acredita que pode “curar Billy” ou se ela é tão sociopata e sádica
quanto ele.
A questão é que nenhuma das duas abordagens funciona. A
primeira falha porque ela rapidamente cruza a linha entre ingenuidade e
estupidez, clamando que Billy pode ser redimido mesmo depois de vê-lo cometer
crimes, atirar na polícia ou matar pessoas. A segunda falha porque o texto
nunca dá a ela motivação para ser tão cruel ou desprovida de empatia, sendo
maligna sem motivo nenhum. Sim, há a questão do trauma dela envolvendo o pai,
mais isso justifica mais a primeira do que para a segunda. Assim, cada minuto
gasto com Krista é uma imensa perda de tempo.
As cenas de ação continuam ótimas em explorar a letalidade
brutal de Frank Castle, constantemente colocando o protagonista em situações de
desvantagem, construindo uma sensação de perigo por vermos cada embate como uma
luta pela vida, com Castle raramente saindo ileso. Parte do que faz as cenas de
ação tão boas é a predileção pelo uso de dublês e efeitos práticos ao invés de
recorrer a computação gráfica e sangue digital como a recente Titãs, o que acabava tirando parte do
impacto da violência. Jon Bernthal continua excelente como Frank, sendo a
melhor encarnação de carne e osso do personagem. Bernthal é hábil em lidar
tanto com a faceta mais bruta e maníaca de Frank quanto do seu lado de viúvo
enlutado e tomado pela dor, colocando várias camadas entre esses dois extremos.
Corrigindo alguns problemas da temporada anterior, mas
cometendo alguns outros erros, a segunda temporada de O Justiceiro vale pelo seu ritmo ágil, ótimas cenas de ação e pelo
modo como explora a relação entre o protagonista e os vilões.
Nota: 7/10
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