Em termos de produção, O
Sacrifício é o melhor filme tratado até agora nessa coluna, já que é
realmente um filme feito com orçamento profissional, diretor e elenco
conhecidos e um relativo esmero na construção de sua atmosfera (A Reconquista até tinha atores
conhecidos, mas sua produção era tosquíssima e parecia um seriado da década de
60). Ter uma boa produção, no entanto, não impediu que este filme acabasse
sendo muito ruim. Felizmente ele é daquele tipo de filme ruim que
constantemente descamba para a comédia involuntária e com isso se torna
divertidíssimo de assistir.
O Sacrifício é um
remake do clássico cult britânico O Homem de Palha (1973), embora não
chegue aos pés do original. A trama é centrada em Edward (Nicolas Cage), um
policial que um dia recebe uma carta de Willow (Kate Beahan), uma antiga
ex-namorada pedindo ajuda para encontrar a filha perdida. Willow mora em uma
isolada ilha na costa do Pacífico e diz que alguém da pequena comunidade deve
ter sequestrado a filha dela. Assim, Edward viaja até a ilha e aos poucos
percebe os segredos sombrios da pequena comunidade.
A primeira cena já dá o tom de como os diálogos e situações
do filme são porcamente construídos e em muitos momentos não fazem sentido.
Edward, que atua como patrulheiro rodoviário, para um carro depois de uma
menina atirar uma boneca pela janela. Ele devolve a boneca para menina e a mãe
pede desculpas, envergonhada, dizendo não saber a razão de a filha ter feito
aquilo enquanto que a menina responde que estava entediada. O diálogo não tem
muito nexo, afinal, jogar fora o brinquedo não contribuiria para mais tédio?
É estranho que quando Edward devolve a boneca, a menina a
arremessa novamente e Edward vai novamente pegar dizendo que “faz parte do
trabalho”. Como assim faz parte? Não imagino ninguém sendo ensinado a coletar
bonecas na academia de polícia. De todo modo, uma vez que Edward se afasta, um
caminhão colide com o carro parado que imediatamente pega fogo. O protagonista
tenta salvar a menina dentro do carro, mas obviamente não consegue. O bizarro
dessa cena é que a atriz mirim demonstra mais confusão e aborrecimento com o
fato de Edward tentar salvá-la do que medo propriamente dito.
A cena inteira deixa evidente que o filme não tem muita
preocupação em criar situações críveis, com algum senso de causa e
consequência, ou personagens que se comportem como seres humanos minimamente
normais. Na verdade, as coisas só pioram depois que Edward chega à ilha.
Logo na primeira cena no local, o detetive encontra um grupo
carregando um enorme saco com algo se debatendo dentro dele e pingando o que
parece ser sangue. Os nativos perguntam se Edward quer ver o que tem dentro,
mas quando o protagonista se aproxima da boca do saco, um movimento brusco do
que está lá dentro lhe dá um susto e ele se afasta enquanto os nativos começam
a rir. Como Edward está na ilha para investigar o sumiço de uma criança é de se
imaginar que ele iria insistir em ver o que tem no saco, já que tudo soa muito
suspeito, mas não, os risos dos habitantes o deixam constrangido e ele vai
embora, o que parece ser uma péssima maneira de conduzir uma investigação.
Na verdade existe menos uma investigação e mais um vagar a
esmo pela ilha sem que muita coisa aconteça. Ele simplesmente sai andando e
entrando em casas aleatórias sem muito critério até eventualmente esbarrar com
algo que pareça uma pista. O texto parece ciente desse vazio e tenta
preenchê-los da maneira mais preguiçosa possível: inserindo uma quantidade
enorme de sustos súbitos gratuitos. Da já citada cena do saco, passando pelo
momento em que um corvo sai de dentro de uma carteira escolar aos múltiplos
delírios que ele tem com a menina morta no início do filme há uma repetição cansativa
desses jumpscares e a maioria deles
provoca mais riso do que medo.
Um exemplo são os muitos delírios, que custam a fazer
sentido. Em uma cena Edward está em um barco e vê a garota do início. Ele fixa
o olhar na menina que subitamente é atropelada por um caminhão, sim, enquanto
está dentro de um barco. Eu sei que é um delírio e tudo, mas a situação toda é
tão absurda que eu ri alto quando vi e tenho certeza que esse não era o efeito
imaginado pelo diretor Neil LaBute.
Em outro momento, o protagonista vê a mesma menina se
afogando em um cais e pula na água para resgatá-la, só para um corte rápido
mostrar o detetive abrindo os olhos e revelando que era um sonho, mas a câmera
abre o zoom revelando o corpo da
garota nos braços dele, um movimento que é seguido por outro corte abrupto que
mais uma vez revela que Edward pegou no sono. Sim, o filme mostra um sonho
dentro de um sonho ao estilo A Origem
(2010), a diferença é que aqui essa estrutura não serve a nenhum propósito além
de inserir sustos gratuitos e minha reação, mais uma vez, foi rir.
O filme original usava a investigação para tratar de temas
relacionados a religião, o fascínio do culto e até onde as pessoas estão
dispostas a ir por suas crenças, mas nada disso é trabalhado aqui. Tudo é tão
maniqueísta e as cultistas tão caricaturalmente malignas que não há espaço para
ponderação.
A ideia de um culto matriarcal, liderado por mulheres e com
homens relegados a posições servis e sem voz podia render alguma discussão
sobre a subjugação da mulher em nossa sociedade ou o patriarcalismo da maioria
das organizações religiosas, mas nada disso é muito aproveitado. Seria possível
afirmar que a jornada de Edward ao longo do filme é um arco de emasculação e
perda de autoridade diante desse domínio feminino, mas esse desenvolvimento é
feito com tantas situações absurdas, diálogos sem sentido e ações exageradas
que essas ideias acabam diluídas na comédia involuntária na qual o filme se
transforma.
Ocasionalmente o filme consegue construir alguns momentos de
tensão como na cena em que Edward se vê cercado por abelhas (ele é alérgico) em
um campo de apicultura e a vila é cercada por uma atmosfera sinistra que nunca
é aproveitada o tanto que deveria devido as situações ridículas do roteiro. O
design de produção constantemente reflete a obsessão da ilha por abelhas, seja
em janelas de forma hexagonal, lembrando uma colmeia, seja em pequenas abelhas
bordadas em roupas ou colchas.
O melhor (ou pior, dependendo de seu ponto de vista) do
filme é sem dúvida a interpretação surtada de Nicolas Cage, que berra e grita
com todas as pessoas da ilha o tempo todo ao ponto em que você até admira a
restrição das cultistas em não matar de imediato esse doido raivoso que sai
urrando e esperneando com todo mundo. Logo quando ele entra na hospedaria local
ele grita com todos os clientes anunciando sua presença e o motivo de estar
ali, o que soa como uma péssima decisão, ao exibir sua motivação de estar ali
ele certamente estaria alertando o culpado e colocando a vida da menina em
risco.
Praticamente todas as cenas com Cage têm algum exagero ou
absurdo digno de virar meme e é difícil não se divertir com os surtos do
personagem. Em uma cena ele berra repetidamente com Willow indagando como uma
boneca ficou queimada, em outra ele saca a arma e grita com a professora
interpretada por Molly Parker para descer da bicicleta como se a mulher
estivesse em um carro de fuga. Há também o momento em que ele se veste de urso
e soca uma cultista, além da hilária cena em que ele é torturado com abelhas digitais
toscas enquanto berra coisas do tipo “As
abelhas não!” e “Meus olhos! Elas
estão em meus olhos!”.
Falando na cena das abelhas, preciso alertar que existem
duas versões do filme. As duas são bem similares entre si, exceto pelos minutos
finais. Uma tem a citada cena de Edward sendo torturado com abelhas antes de
ser levado para dentro do totem de palha, encerrando o filme com o boneco
gigante sendo queimado. A outra não tem a cena das abelhas, mas insere um
epílogo que se passa seis meses depois, com Willow e outra cultista flertando
com homens em um bar (um deles interpretado por James Franco) deixando
subentendido que eles serão o próximo sacrifício do culto. Nada disso muda
significativamente o filme, mas eu diria que a versão com a cena das abelhas é
melhor por conta de sua comicidade acidental.
Não tenho condições de dizer que O Sacrifício é um bom filme, mas a interpretação surtada de Nicolas
Cage é tão divertida que faz a experiência valer a pena.
Compilação de "melhores" momentos:
Compilação de "melhores" momentos:
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