Um ex-militar traumatizado, alcoólatra e sem dinheiro é
procurado pela ex-mulher, agora casada com um ricaço. Ela diz que seu atual
marido é abusivo e pede ao protagonista que o mate, oferecendo uma enorme soma
de dinheiro como recompensa pelo crime. É uma premissa que parece saída
diretamente de um noir da década de
40 como A Dama de Xangai (1947) e
poderia render uma releitura contemporânea interessante, mas Calmaria prefere ir por um caminho
completamente diferente por volta da metade de sua projeção.
Dill (Matthew McConaughey) vive na paradisíaca ilha de
Plymouth trabalhando com pesca de atum. Com pouco dinheiro, ele ocasionalmente
se deita com Constance (Diane Lane) por dinheiro ou leva turistas para pescar.
Sua sorte parece virar quando Karen (Anne Hathaway), sua ex-mulher, aparece em
seu barco. Ela oferece dez milhões para que Dill leve seu abusivo marido, Frank
(Jason Clarke), em uma pescaria e o mate simulando um acidente. A proposta cria
um dilema moral para Dill, que reluta em aceitar.
Anne Hathaway já tinha mostrado ser capaz de fazer uma
mulher fatal e manipuladora com sua Selina Kyle em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) e aqui ela volta a
explorar essa capacidade ao fazer de Karen a personagem mais ambígua do filme.
Alguém que nunca temos certeza se está falando a verdade ou mentindo, se está
revelando tudo a Dill ou escondendo algo mais. Ela e McConaughey já tinham
exibido uma boa química em Interestelar (2014)
e aqui ambos voltam a funcionar apesar de McConaughey ocasionalmente pender ao
exagero. Jason Clarke, por sua vez, repete o mesmo tipo de macho grosseiro e
abusivo que fez em Mudbound (2017) e Por Trás dos Seus Olhos (2018) e que a
essa altura já soa cansativo.
Então chega a metade da narrativa e vem a reviravolta que
provavelmente vai afastar muita gente do filme por ser uma coisa completamente
fora do tom do que vinha acontecendo. Sim, a revelação até justifica alguns exageros
iniciais e o fato de que certos eventos não faziam muito sentido, mas é tão
pirada e tão fora do regime narrativo criado até então que é fácil sentir
repulsa por ela. Eu mesmo fiquei simultaneamente irritado e curioso para saber
onde a piração ia dar.
Infelizmente toda a complexa reviravolta acaba tendo muito
pouco a dizer além do choque da surpresa, resultando em algo que está poucos
degraus abaixo da frustração de chegar ao final de um filme e descobrir que
“foi tudo um sonho”. Sim, pois a guinada final praticamente torna irrelevante
tudo que assistimos, já que nenhuma das ações, eventos ou decisões dos
personagens tinha qualquer consequência no mundo “real” da trama e o filme
inteiro se torna uma imensa perda de tempo.
Entendo que a revelação tenta fazer todo o filme operar em
um nível simbólico, uma grande metáfora de um garoto dividido entre o escapismo
de uma realidade violenta e a necessidade de fazer algo à respeito mesmo
sabendo ser moralmente errado. Do mesmo modo, também funciona como uma
tentativa de alguém entender ou interagir como o pai que nunca conheceu. A
questão é que ao deixar todos essa revelação para o final faz a trama soar
desonesta e sem impacto, já que é difícil se importar com um personagem que só
conhecemos nos últimos minutos. Teria sido melhor deixar claro desde o início o
que estava acontecendo e desenvolver em paralelo a história de Dill e do
garoto.
Do jeito que está Calmaria
é um suspense soterrado pelas próprias ambições e que sequer chega perto de
ser tão esperto quanto acha que é.
Nota: 3/10
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