sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Crítica – Magnífica 70: 3ª Temporada


Análise Crítica – Magnífica 70: 3ª Temporada


Review – Magnífica 70: 3ª Temporada
É curioso que Magnífica 70, série brasileira produzida pela HBO, tenha começado como uma exploração histórica sobre a censura no período da ditadura militar e as dificuldades de viver de arte em um período de repressão e agora, em sua terceira (e possivelmente última temporada), termine terrivelmente contemporânea ao traçar paralelos entre o ontem e o hoje.

A narrativa começa algum tempo depois dos eventos da segunda temporada. Vicente (Marcos Winter) se tornou o chefe da censura em São Paulo, mas tomado pela culpa e afetado pelo surto que teve, começa a ter visões com o falecido sogro, o general Souto (Paulo César Pereio), que o instiga a criar um plano ainda mais reacionário e conservador para a censura. Os planos de Vicente despertam interesse da ala reacionária do governo Geisel, que acham o atual presidente militar um fraco por estar considerando uma abertura política e desejam um governo ainda mais repressor. Ao mesmo tempo Dora (Simone Spoladore) tenta fugir do cativeiro em que se encontra desde a temporada anterior e Isabel (Maria Luísa Mendonça) pensa em uma maneira de enfrentar o regime.

São personagens quebrados, devastados pela culpa e arrependimento dos eventos passados, desesperados por alguma chance, mesmo que mínima, de redenção e se comportando como animais acuados. Há um raro grau de imprevisibilidade na temporada por conta de suas muitas partes se movendo simultaneamente e um efeito raro que uma trama consiga me deixar imerso nesse clima constante de incerteza e suspense, de que qualquer coisa pode acontecer. O começo da temporada é um pouco lento até que todos estejam reunidos, mas compensa por mostrar os problemas e contradições de cada um, deixando claros os riscos quando todos se juntam.

Tal como nas outras temporadas, a série também reflete sobre a força do cinema e suas possibilidades expressivas. Vemos a ideia do cinema como arma no episódio em que Manolo (Adriano Garib) mora em uma comunidade hippie e usa a câmera para filmar o filho de um deputado que ameaça expulsar a comunidade. Não é à toa quando o filho do deputado aponta uma pistola para a cabeça de Manolo, o produtor devolve o gesto levantando sua câmera e apontando para o rosto do adversário, denotando que cada um está lutando com as armas que tem e como a força expressiva do cinema é superior à força física.

O cinema como veículo de catarse é algo demonstrado no episódio em que os personagens usam uma série de encenações para fazerem uma espécie de “terapia relâmpago” em Vicente. É um embate violento entre encenação, emoções e traumas, mas desse mergulho emocional emerge uma verdade que Vicente não tem como negar e serve como uma metáfora para as maneiras através dos quais a arte permite que confrontemos as verdades interiores que mantemos ocultas. Do mesmo modo, o episódio final mostra como a ficção é capaz de desnudar verdades sobre as pessoas ou a sociedade, com todo o golpe encenado por Vicente, Dora e Manolo servindo de armadilha para prender os corruptos Hélio Pontes (Mario Gomes) e o general Pontes (Gracindo Junior).

Os vilões são reacionários ignorantes e hipócritas que consideram como “comunista” qualquer um que se oponha a eles, mesmo o próprio governo militar. Inventam inimigos e ameaças que não existem para fomentar medo, dizem serem honestos mas praticam diversos atos de corrupção, enfim não muito diferente de forças políticas que atualmente ocupam o poder. É curioso, pois a temporada foi feita e lançada antes do resultado das últimas eleições e ainda assim parece uma resposta direta a ela, sobre a possibilidade de uma ressurgência de forças reacionárias que inflamam a população por meio do medo, falso moralismo e bravatas vazias contra inimigos que eles mesmos fabricam.

A temporada também é hábil em encerrar os arcos desenvolvidos até aqui, entregando desfechos dignos e coerentes para os principais personagens, amarrando todas as pontas soltas deixadas em anos anteriores. No entanto, a revelação de que a família Pontes foi a verdadeira responsável pela morte de Ângela (Bella Camero) soa como uma desnecessária retificação de continuidade, já que os personagens, até mesmo Isabel, já tinham razões suficientes para quererem derrubar os corruptos.

A terceira temporada de Magnífica 70 é, portanto, um excelente desfecho para a série, refletindo sobre o passado e futuro do Brasil além de lembrar da importância e potência da arte para resistir a tempos conturbados.

Nota: 9/10

Trailer

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