quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Crítica – Se a Rua Beale Falasse


Análise Crítica – Se a Rua Beale Falasse


Review – Se a Rua Beale Falasse
Tal como aconteceu em Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), filme anterior do diretor Barry Jenkins, este Se A Rua Beale Falasse é, em seu cerne, a história de vidas cheias de potencial prejudicadas por uma prisão. A trama se passa na década de 70 e foca no casal Fonny (Stephan James) e Tish (Kiki Layne). Fonny foi preso por um crime que não cometeu e Tish está grávida dele, precisando encontrar uma maneira de se sustentar.

Jenkins poderia enquadrar essa história como um suspense, com uma corrida contra o tempo para provar a inocência de Fonny, mas tal como seu filme anterior, este aqui é menos sobre grandes momentos bombásticos e mais sobre o cotidiano das pessoas e como o afeto ou a busca por afeto guia essa vida do dia a dia. Seu interesse é na subjetividade da experiência de vida da população negra dos Estados Unidos.

Seus planos são longos, sem pressa, e tem um caráter bastante contemplativo e poético, encontrando beleza e lirismo nas vidas daquelas pessoas apesar das dificuldades vivenciadas por elas. Um exemplo é a narração de Fonny falando sobre querer estar com Tish é colocada em paralelo com imagens dos dois juntos e de Tish dando banho no filho em um plano cuja câmera está dentro da banheira, filmando o bebê por baixo, como se a criança flutuasse no ar.

O afeto é visto tanto na relação de Fonny e Tish como na relação de Tish com a família dela. Para o filme e para o olhar de Jenkins, é esse afeto, esse amor que essas pessoas têm umas pelas outras e o senso de comunidade que há entre eles que os torna capazes de sobreviver aos problemas encontrados.

Esse olhar sobre o cotidiano não esconde as manifestações de racismo e preconceito experimentadas por esses personagens como na cena em que Tish narra suas vivências no trabalho ou o tenso encontro com um policial que insiste em querer prender Fonny apesar de todos no local dizerem que ele só estava protegendo Tish de um homem que a atacou.

Há de se destacar o trabalho de Regina King como Sharon, a mãe de Tish, e cuidado inabalável que ela tem com a filha e com o genro. A composição de King é sutil, mas traz consigo uma emoção verdadeira e poderosa a exemplo da cena em que Sharon tranquilamente apoia Tish depois dela anunciar que está grávida ou todo o segmento em que Sharon vai à Porto Rico em busca da testemunha que teria identificado Fonny para a polícia. Stephan James e Kiki Layne transmitem a conexão de Fonny e Tish sem precisar falar muito, bastando o olhar deles para comunicar a grandeza do afeto que há entre os dois, embora o filme abuse de tomadas do casal se encarando.

Aqui e ali, no entanto, o filme insere alguns elementos que soam deslocados ou redundantes em relação ao resto do filme. A mãe religiosa de Fonny se comporta de maneira tão exagerada que parece uma vilã de novela. De início parece que ela será um obstáculo ou problema, mas a despeito do ataque dela a Trish após o anúncio da gravidez, a personagem tem pouca repercussão na trama.

O segmento em que Fonny encontra Daniel (Brian Tyree Henry, o Paper Boi de Atlanta) e Daniel narra sua experiência e trauma na prisão tenta reverberar a ideia de um sistema político e social que se estrutura para encarcerar a população negra e tirar suas chances, mas a história de Daniel, que desaparece do filme depois dessa cena, não tem nada a dizer sobre isso que o filme já não diga através do arco do próprio Fonny. Claro, Brian Tyree Henry é ótimo em nos mostrar o quanto Daniel é uma pessoa destruída internamente e desesperançada depois de seu tempo preso, como se o presídio tivesse tirado muito mais dele do que apenas alguns anos de liberdade, mas a longa cena apenas repete ideias que o filme já transmite em outros arcos narrativos.

Ainda assim, Se a Rua Beale Falasse é um estudo delicado e sensível sobre o cotidiano da população negra dos EUA e como os laços de afeto são importantes para resistir às dificuldades.


Nota: 8/10

Trailer

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