Nem sempre uma mistura de ingredientes muito bons resulta em
uma boa comida. Às vezes o problema está no preparo e em outros casos está na
dificuldade de harmonizar sabores muito díspares entre si. A questão é que nem
tudo que é bom isoladamente consegue funcionar em conjunto. Este Albatroz parece misturar Bergman com
Lynch, Nolan, Terry Gilliam, Cronenberg e Sebastião Salgado, mas o resultado
acaba sendo menor que a soma das partes, quase como se alguém tentasse bater no
liquidificador uma mistura de feijoada, sorvete de morango e batata frita.
O fotógrafo Simão (Alexandre Nero) acorda em um hospital sem
muita memória de como chegou lá. Ele procura a esposa, Catarina (Maria Flor),
mas não a encontra. Confuso, ele vai para casa e encontra uma ex-namorada,
Alícia (Andrea Beltrão), que lhe dá uma passagem de trem, informando a Simão
onde encontrar Catarina. A partir daí ele embarca em uma jornada na qual
ficção, realidade, sonho e delírio se misturam.
O início parece dar a entender que será uma trama mais próxima
do noir, com um homem traumatizado
jogado em uma investigação sem ter muita certeza do que está acontecendo ou da
sua própria realidade. A fotografia reforça a confusão mental dos personagens,
trabalhando contrastes entre luz e sombra ou entre cores intensas. Um uso
constante de planos horizontalmente inclinados que deixam tudo torto e
deformado, além de inserções de fotografias que parecem dialogar com o fluxo de
pensamento do personagem.
O que era um suspense simples vai aos poucos se transformando
em uma série de reflexões sobre a natureza da ficção e da realidade, sobre a
ética do registro de imagens, sobre os limites entre sonho e realidade ou como
nossa subjetividade interfere na percepção do real. Cada uma dessas questões já
seria em si extremamente ampla para um único filme, ao jogar com todas elas ao
mesmo tempo Albatroz abre para si um
escopo tão amplo que não tem como dar conta de todos os temas que aborda. Isso
além de outras temáticas que parecem pouco se conectar com o resto, como a discussão
sobre judaísmo, terrorismo e o estado de Israel.
Ao invés de deixar esses temas de maneira subjacente,
abertos à interpretação do espectador, o filme prefere se apoiar em um excesso
de diálogos expositivos que explicam suas temáticas ao público, mais parecendo
que ele está discursando sobre esses temas do que permitindo que o público os
perceba a partir dos personagens e situações propostas pelo roteiro.
As múltiplas reviravoltas, que parecem desenhadas para
denunciar a natureza construída da ficção, criam uma impressão de que “vale
qualquer coisa”, sem muita preocupação em estabelecer regras ou regimes
internos de coesão ou ancoragem como faz Lynch em Cidade dos Sonhos (2001), por exemplo. Com isso, fica menos a
impressão de estarmos em um universo onírico com simbologias específicas e mais
em uma série de vinhetas aleatórias feitas apenas para justificar um discurso
já pronto sobre a natureza do real, da ficção ou do sonho.
Toda a subtrama envolvendo a neurocientista interpretada por
Andreia Horta parece saída de um filme B hollywoodiano da década de cinquenta
ao ponto de que fiquei esperando que Horta começasse a falar com um sotaque
russo a qualquer instante. Sim, eu sei que o segmento provavelmente não se
passa no “mundo real” da trama (se é que existe um, inclusive), mas ele é um
desvio muito grande de todo o resto e não é exatamente necessário para as
elucubrações feitas sobre a imagem, o onírico e a sinestesia. Na verdade, a
despeito de suas ambições sobre esses temas, o filme tem muito pouco a dizer
sobre ele, nunca conseguindo sair da superfície ou falar algo que outros filmes
(como os dos diretores citados no primeiro parágrafo) já não tenham feito e
melhor.
Apesar dos esforços competentes de fotografia e montagem, Albatroz termina sendo soterrado por
ambições que nunca se concretizam.
Nota: 4/10
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