Com mais de dez anos e duas dezenas de filme, o universo
cinematográfico da Marvel já mostrou claramente que tem um “padrão” para
introduzir seus personagens e contar suas origens e em geral esse formato tem
funcionado, apesar de claramente já podermos ver as engrenagens funcionando e a
essa altura o cansaço começa a se assentar. Eu imaginei que Capitã Marvel poderia mexer com essa
fórmula ao mostrar a personagem em busca de seu passado, mas o resultado acaba
sendo só mais uma história de origem com pouca personalidade.
A trama é centrada em Carol Danvers (Brie Larson), membro da
Força Estelar dos Kree, raça de alienígenas que está envolvida em uma longa
guerra com os transmorfos Skrull. Carol, no entanto, tem sonhos com uma vida no
planeta Terra e durante uma missão envolvendo o líder Skrull, Talos (Ben
Mendelsohn), ela acaba vindo parar no nosso planeta e parte em busca da própria
origem ao mesmo tempo em que tenta descobrir os planos de Talos.
Carol é o arquétipo do herói em busca do próprio passado
(pensem em Jason Bourne ou no Wolverine), alguém presa às lacunas de sua origem
e que por isso carece de um senso de propósito. O problema nem é o lugar-comum
do arco narrativo da protagonista, mas a maneira como o filme resolve contá-lo,
preferindo recorrer a uma quantidade excessiva de diálogos expositivos e uma
montagem picotada que falam sobre as dificuldades de Carol sem, no entanto, dar
o devido espaço para que sintamos o peso disso tudo sobre a personagem.
Vemos muitas imagens rápidas dela caindo e levantando,
ouvimos outros personagens falarem da relação difícil de Carol com o pai ou do
quanto ela admirava a cientista Wendy Lawson (Annette Benning), porém pouco é
mostrado disso. O mesmo acontece com a discussão sobre o machismo, relegada a
algumas frases soltas sobre mulheres não terem lugar nas forças armadas que
apenas apontam a questão sem chegar a desenvolvê-la de maneira consistente como
Mulher Maravilha (2017) fez tão bem.
A única conexão significativa de Carol que é posta em tela é
a amizade dela com a piloto Maria Rambeau (Lashana Lynch). Maria de fato ajuda
a humanizar Carol e serve como o necessário coração da história, mas ela só
aparece por volta da metade da projeção e não consegue sozinha suplantar
multiplicidade de outras relações que são tratadas de forma superficial. Samuel
L. Jackson, por sua vez, é ótimo em construir uma versão mais jovem de Nick
Fury, mostrando um lado mais ingênuo do calejado espião e protagoniza alguns
dos momentos mais divertidos do filme ao lado do gato Goose, construindo também
uma boa química com Brie Larson, com quem já tinha trabalhado em Kong: A Ilha da Caveira (2017).
Se a versão mais jovem de Fury ajuda a dar um novo
entendimento sobre o personagem, o mesmo não pode ser dito do retorno de Ronan
o Acusador (Lee Pace) e Korath (Djimon Hounsou), vilões do primeiro Guardiões da Galáxia (2014). Ambos
aparecem muito pouco, a presença deles não causa qualquer impacto na trama e
não tem nada a acrescentar ao que já sabíamos sobre os personagens, não
passando de um fanservice descartável.
A aparição de Ronan no filme foi tão alardeada que cheguei a
imaginar que veríamos um maior desenvolvimento do personagem, que veríamos uma
razão compreensível para que ele se tornasse o zelote implacável que vimos em Guardiões da Galáxia, mas tudo que Capitã Marvel tem a nos dizer sobre ele
é que Ronan sempre foi um fanático sanguinário. O Yon-Rogg interpretado por
Jude Law é um antagonista igualmente desinteressante e esquecível, não
conseguindo ir além do clichê do soldado sanguinário e implacável.
A trama tenta evitar maniqueísmos fáceis em relação à guerra
Kree-Skrull, com ambos os lados tendo sangue inocente em suas mãos. A ideia de
tudo isso é retratar a tragédia moral que é guerra, mas, assim como a origem de
Carol, a guerra é algo mais dito do que visto e assim essas reflexões morais
nunca tem o impacto que deveriam, algo que Mulher Maravilha conseguiu fazer muito bem ao usar a Primeira Guerra Mundial como
pano de fundo.
As cenas de ação são competentes, mas nunca chegam a
empolgar como deveriam, ou exploram de maneira criativa a extensão dos poderes
da heroína. Entendo que há uma dificuldade inerente em oferecer algo que
realmente soe como uma ameaça a uma personagem tão absurdamente poderosa, mas
ao menos deveria conseguir causar alguma impressão por conta da grande escala
de poder da Capitã. Ao invés disso, o resultado é algo que começo a esquecer
poucas horas depois de ter deixado a sala de cinema.
Capitã Marvel tem
lá sua dose de humor e carisma para funcionar como um passatempo razoável,
ainda que pouco memorável. Considerando que a heroína não é tão conhecida
quanto outros personagens desse universo, ela merecia uma introdução melhor e
mais consistente.
Nota: 6/10
Obs: Existem duas cenas adicionais após os créditos
Trailer
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