Há séculos a comédia é considerada um gênero “inferior”. Na
Idade Média, por exemplo, instituições como a Igreja Católica concebiam o riso
e o cômico como frutos de mentes ignóbeis, incultas e de baixa espiritualidade.
Essa visão sobre a comédia como uma arte “menor” segue ainda nos dias de hoje
então é sempre válido levantar a discussão sobre a legitimidade da comédia e
foi isso que me atraiu a assistir este Chorar
de Rir. Tudo bem que não é a primeira vez que um comediante desnuda em tela
suas angústias por ser subestimado enquanto artista “sério”, Chris Rock já
tinha feito algo semelhante alguns anos atrás no excelente No Auge da Fama (2014), mas ainda assim é importante que o cinema
brasileiro levante essa bola e traga essa discussão para o nosso contexto.
Nilo (Leandro Hassum) é um comediante de sucesso e está
prestes a receber um prêmio como melhor comediante do ano. Durante a cerimônia
ele se sente desprezado, ignorado e maltratado pelos vencedores das categorias
dramáticas. Assim, ele se torna determinado a ser levado a sério por seus pares
e ser considerado um artista “de verdade” ao produzir sua própria montagem de
Hamlet e se colocando no papel-título.
Tudo isso poderia render uma discussão sobre a validade da
comédia enquanto arte, que há, de fato, um grande labor artístico-criativo no
ato de fazer rir e que existe na comédia uma força expressiva tão grande quanto
em qualquer outro gênero. No entanto essa discussão não é construída pela
narrativa, já que uma reviravolta envolvendo um feitiço que obriga Nilo a fazer
piada o tempo todo transforma o filme praticamente numa adaptação de O Mentiroso (1995), apenas trocando a
obrigatoriedade de falar a verdade pela obrigatoriedade de fazer piada com
tudo.
A guinada não é apenas problemática por praticamente
abandonar toda a proposta inicial do filme, mas por ser jogada à esmo na tela.
Nada prepara o espectador para essa virada ao domínio do sobrenatural e da
fantasia, a imagem do feitiço sendo realizado simplesmente surge na tela
enquanto Nilo tenta encenar Hamlet, enfiando de qualquer jeito essa reviravolta
na história.
Aliás, elementos desmotivados pipocam a torto e direito ao
longo da projeção. O romance entre Nilo e uma antiga namorada, Bárbara (Monique
Alfradique), acontece praticamente porque o roteiro exige. A narrativa não
constrói uma motivação das razões que a levam se jogar nos braços de Nilo
quando ele está no camarim de Hamlet, apenas acontece. Claro, algumas
aleatoriedades geram bons momentos de humor, como a pequena participação do
Sérgio Mallandro, mas no geral a trama soa inconsistente, pulando de uma ideia
e tema para outro como lhe convém.
A guinada envolvendo o feitiço também acaba limitando o
trabalho de Hassum. Se inicialmente o filme parecia tirá-lo da zona de conforto
do que ele faz na maioria de suas comédias, a reviravolta serve como um meio de
mais uma vez forçá-lo a incorrer no mesmo tipo de humor estilo “ofensas de playground” de muitos de seus filmes
como o execrável Até Que a Sorte nos Separe 3 (2015). Um exemplo é a cena em que ele interage com um mendigo e
todo o humor deriva do fato dele falar a respeito do fedor ou do aspecto
asqueroso do sem-teto.
Após a reviravolta, o filme se arrasta na busca de Nilo pelo
homem que o enfeitiçou e nas suas tentativas de reverter o feitiço fazendo a
última meia hora se arrastar em reviravoltas que não vão a lugar nenhum
enquanto o protagonista tenta desvendar quem pagou o feiticeiro. O desfecho
falha em amarrar as ideias da trama ao ensaiar um discurso conciliatório entre
o drama e a comédia, reconhecendo o valor de ambos, mas que acaba por
reproduzir a ideia de que um artista cômico precisa capaz de fazer drama para
ser reconhecido como um ator “de verdade”. Imagino que a ideia do discurso
final do personagem era dizer que os dois gêneros tem valor, mas ao falar isso
enquanto o personagem é finalmente reconhecido pelos seus pares ao receber um
prêmio de ator dramático dá a entender que o reconhecimento de um cômico só se
daria se ele passasse pelo drama.
A resolução nega a ideia da comédia como um campo artístico
por si só e ignora até mesmo as referências que o próprio filme faz a outras
obras e artistas. Em dado momento a narrativa faz menção a Cantando Na Chuva (1952) uma comédia musical que é reconhecida internacionalmente
como um dos melhores filmes de todos os tempos e que provaria o argumento
inicial de que a comédia é sim uma arte expressiva potente independente dos
outros gêneros. Cantando Na Chuva inclusive
defendia esse valor do cômico por si só no número musical com a canção Make’em Laugh cantada por Donald
O’Connor. Jerry Lewis, citado múltiplas vezes, aparecendo em fotos e
referenciado quando Nilo se veste como o protagonista de O Professor Aloprado (1963), é um artista que teve sua genialidade
no campo da dramaturgia reconhecida justamente por seu talento cômico.
A maneira como o filme usa o som e a música atrapalha
bastante a apreciação, constantemente recorrendo a tons intrusivos que guiam de
maneira óbvia e excessiva os sentimentos do espectador. Quando alguém faz algo
engraçado os instrumentos instantaneamente fazem barulhos engraçadinhos, como
que dando permissão ao espectador para rir e subestimando a capacidade da
audiência em entender que algo foi engraçado ou não. O mesmo acontece nas cenas
mais dramáticas ou emotivas nas quais a música pesa a mão nos acordes chorosos
quase que querendo forçar o espectador a derramar lágrimas.
Havia um claro potencial para um ótimo filme em Chorar de Rir, mas o resultado final
deixa a desejar pelo pouco desenvolvimento das complexas questões que ele tenta
discutir sobre a legitimidade da comédia.
Nota: 4/10
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