Os filmes escritos e/ou dirigidos por Paul Schrader
costumeiramente trazem homens solitários, isolados, com conflitos existenciais
e um senso direto de propósito. Vemos isso em Taxi Driver (1976), cujo roteiro é de sua autoria, ou em Gigolô Americano (1980), que ele
escreveu e dirigiu. Esses elementos estão presentes também em Fé Corrompida, seu trabalho mais recente.
A narrativa acompanha o pastor Toller (Ethan Hawke). Ele é
responsável por uma pequena igreja no interior dos Estados Unidos cuja
importância reside mais no seu lado histórico, por ter sido uma das primeiras
do país, do que por sua congregação, que é cada vez menor. Ele passa seus dias
guiando turistas e estudantes em tours
pela igreja, explicando a importância histórica do local. Sua chance de fazer
algo relevante pela comunidade vem quando a jovem grávida Mary (Amanda Seyfred)
pede que Toller a ajude com o marido, o ambientalista radical Michael (Philip
Ettinger), que não quer que Mary leve adiante sua gravidez por se preocupar com
o futuro desastroso da humanidade por conta da mudança climática.
O encontro com Michael abre antigas feridas e culpas em
Toller e o pastor começa a questionar sua missão de fé e até que ponto ele,
enquanto servo de Deus, de fato está contribuindo para a melhora e edificação
do ser humano e do planeta. Não são questões fáceis e confrontá-las cria um
tipo de pânico existencial conforme o personagem se esforça cada vez mais para
tentar encontrar uma resposta sobre como agir com retidão moral em um mundo
cada vez mais complexo. O filme, no entanto, nunca chega a colocar em pauta o
fato de Michael não deveria ter que opinar sobre algo que diz respeito ao corpo
da esposa (abortar ou não seria uma escolha dela) ou se Michael poderia opinar
sobre isso.
Ethan Hawke, em seu melhor trabalho em anos, é excelente em
evocar todo o tormento interno do personagem, adicionando camadas de desespero,
culpa e desejos reprimidos a um sujeito que não sabe mais como cumprir sua missão
de fé e põe em dúvida suas ações presentes. Esse senso de pavor existencialista
é amplificado pela silenciosa atmosfera pastoral campestre criada pelo filme.
Com pouquíssima música e constantes imagens do campo, jardins e da pequena
igreja em meio ao verde dos prados, há um claro contraste entre a tranquilidade
do ambiente e como esse isolamento também pesa nos ombros do protagonista.
Além do questionamento sobre correção moral, o filme também
reflete sobre a mercantilização da fé e como o ideal cristão foi transformado
em um produto a ser consumido, vendido e apropriado por grandes corporações que
muitas vezes possuem práticas pouco cristãs. Ao conversar com um superior,
Jeffers (o comediante Cedric The Entertainer em uma performance
surpreendentemente séria), Toller reclama dele ter aceitado auxílio financeiro
de um magnata corrupto do ramo de energia que derrubou várias leis ambientais.
Assim, o filme aponta não apenas para a nossa
responsabilidade direta diante dos problemas do mundo, mas também uma
responsabilidade indireta. Afinal, aceitar auxílio de alguém que ativamente
causa mal ao mundo não significa fazer vista grossa a esse mal? Até que ponto
essa inação viola nosso senso de responsabilidade moral de agir para melhorar o
mundo? Nada disso tem uma resposta fácil e o texto de Schrader tem maturidade
para reconhecer isso e evita oferecer catarses ou redenções rápidas para seus
personagens.
Em um determinado momento a trama entra em uma viagem
metafísica que faz Toller literalmente flutuar pelo cosmo. É um momento tão
estranho e exógeno ao resto do filme que poderia facilmente ter feito tudo
degringolar, mas serve para mostrar o isolamento e carência de contato humano
do protagonista. As dúvidas e tensões de Toller, jogado em múltiplas direções
por sua incerteza quanto ao seu papel no mundo, culminam no tenso desfecho no
qual ele transita com intensidade entre seu compromisso moral de fazer o que
crê ser certo, sua necessidade de se punir e se penitenciar pelas coisas que
lhe causam culpa ou ceder aos seus desejos pessoais deixando de lado seu
questionamento sobre fé e culpa.
Desta maneira, Fé Corrompida é um tenso e complexo estudo sobre o temor existencial
da raça humana, sobre a dificuldade em encontrar propósito ou retidão em um mundo
com cada vez menos clareza moral.
Nota: 9/10
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