Dirigido por Panos Cosmatos, este Mandy: Sede de Vingança é daqueles filmes cuja força não vem da
história que conta, mas de como ele conta sua história. Em termos de trama é
uma narrativa de vingança bem típica, mas em termos de ritmo ou visual é algo
singular demais para ser ignorado.
A narrativa é centrada no casal Red (Nicolas Cage) e Mandy
(Andrea Riseborough). Os dois vivem de modo pacato em uma cabana na floresta à
beira de um lago, mas o cotidiano do casal é brutalmente interrompido com a
chegada do culto liderado por Jeremiah (Linus Roache), que sequestra Mandy por
pensar que ela terá um papel importante a desempenhar em seu culto. Assim, Red
embarca em uma insana jornada de vingança.
Era de se imaginar que um filme com essa premissa fosse
enfiar o pé no acelerador desde o início, mas Cosmatos parece entender que a
catarse da violência precisa de investimento emocional para acontecer. Assim, a
primeira metade do filme caminha lentamente para nos mostrar o cotidiano
idílico daquele casal, a vida na natureza sem preocupações ou problemas e o
afeto que há entre eles. E o diretor consegue fazer isso com poucos diálogos,
se fiando apenas na força de suas imagens, constantemente tratadas com filtros
de cor que fazem o azul do lago e o verde da floresta parecerem ainda mais
intensos, e no desempenho dos atores, que convocam esse senso de afeto apenas
pela maneira como olham um para o outro.
Uma vez instaurado o conflito, o tom muda dramaticamente e o
que era um olhar idílico sobre a vida de um casal se torna uma jornada
delirante rumo à loucura conforme Red leva à cabo sua vingança. Tons de
vermelho e roxo dominam a fotografia fazendo tudo parecer um pesadelo demoníaco
ou filmado diretamente nos buracos mais profundos do inferno enquanto o
operador de câmera estava sob efeito de ácido. Essas paisagens infernais
delirantes dão um tom expressionista ao filme e esse tom também se traduz nas
interpretações, em especial a de Nicolas Cage.
Eu já falei aqui várias vezes (como no meu texto sobre O Sacrifício) sobre a tendência que Cage
tem em exagerar e sair devorando o cenário enlouquecidamente em suas escolhas
de atuação. Em geral isso resulta em uma interpretação fora do tom do filme que
acaba por quebrar a imersão, mas aqui a performance surtada de Cage casa
perfeitamente com a história que Cosmatos tenta contar e com a mistura intensa
de dor, raiva, desespero, loucura e delírios entorpecidos experimentados pelo
protagonista. Os delírios, por sinal, são mostrados em sequências animadas que
parecem saídos diretamente da revista francesa Metal Hurlant.
Na verdade, muito da segunda parte soa como algo que poderia
estar na capa de um disco de heavy metal,
como o insano machado forjado por Red ou com as criaturas sinistras em motocicletas
que acompanham o culto de Jeremiah. O filme não economiza na violência em suas
cenas de ação e matança e cria situações de puro exagero grotesco como um duelo
de motosserras, mas nunca soa como um mero exploitation
justamente por ter se dado ao trabalho de dar contexto a toda essa violência.
O conflito com Jeremiah tenta falar sobre o pavor
existencial da humanidade. O vilão é alguém desesperado por encontrar um grande
propósito para a própria vida, querendo provar a todos, incluindo a si mesmo,
que é alguém importante, um enviado divino com uma missão gloriosa a cumprir.
Enquanto isso, Red e Mandy vivem a tranquilidade de uma vida em contato com a
natureza, ciente do quanto ela pode ser simultaneamente bela e terrível. Essa
visão sobre a natureza dual da existência, da beleza e da violência, é imitada
pela própria estrutura da narrativa. É como se Cosmatos quisesse nos lembrar
para aceitar o mistério da vida com tudo de positivo ou negativo que há nela ao
invés de embarcarmos em uma busca por propósito que nunca nos dará respostas
plenas ou caminhos delimitados para nossa existência.
Imagino que Mandy
será daqueles filmes que dividirá opiniões e colocará os espectadores em polos
extremos em relação a como se sentem diante do filme. É uma experiência pouco
convencional sobre a dualidade da existência, ancorada por um senso estético
singular e a entrega insana de Nicolas Cage no papel principal.
Nota: 9/10
Trailer
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