terça-feira, 19 de março de 2019

Crítica – Nós


Análise Crítica – Nós


Review – Nós
O diretor Jordan Peele pegou todo mundo de surpresa com o excelente Corra! (2017), no qual usava o terror para falar sobre questões de racismo. Diante de uma estreia tão extraordinária como diretor, a expectativa para este Nós, seu segundo filme, era alta e ele não decepciona.

A trama acompanha a família formada pelo casal Addy (Lupita Nyong’o) e Gabe (Winston Duke) e seus dois filhos, Jason (Evan Alex) e Zora (Shahadi Wright Joseph), que estão de férias em sua casa de praia. A tranquilidade da família é interrompida quando casa é atacada por um grupo de doppelgängers, ou “duplos”, pessoas completamente iguais a cada um dos membros da família.

Falar mais seria estregar a experiência de quem ainda vai assistir, já que esse é um daqueles filmes que é melhor ver sabendo o mínimo possível do que acontece. Tal como Corra! a narrativa se presta a diferentes leituras enquanto metáfora para a sociedade e o seu funcionamento. É possível ler os “duplos” que viviam no subterrâneo da sociedade como uma metáfora para as camadas marginalizadas e desfavorecidas, com a ideia de torná-los idênticos a outras pessoas um meio de identificar a humanidade que há neles e o fato de que não são diferentes de nós.

Nesse sentido, o levante dos “duplos” seria uma corporificação de um dos piores medos das classes altas, a de que os menos favorecidos tomem consciência de sua posição de oprimido e decidam se rebelar. Essa leitura é apoiada pela citação ao evento “Hands Across América” que tentava chamar atenção para o combate à pobreza, como também as muitas citações ao texto bíblico Jeremias 11:11 que diz “Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei”. O capítulo bíblico se refere a uma quebra de uma aliança e o fato do filme usá-lo indica que o ataque dos “duplos” seria uma espécie de justa retribuição por tudo que sofreram em sua existência.

Do mesmo modo, o filme também pode ser lido como uma grande metáfora para a dualidade do ser humano, como cada um de nós carrega consigo uma potência de bondade ou de violência e cabe ao indivíduo decidir qual dessas facetas irá prevalecer. Isso pode ser visto na reviravolta final, que ressignifica o arco narrativo de um personagem do filme, ainda que relativamente previsível, já que a maioria das histórias envolvendo “duplos” costuma ter uma virada do tipo.

Lupita Nyong’o é o grande destaque do elenco ao nos apresentar um sentimento palpável de temor como Addy e também na criação da persona sinistra e assustadora de Red, a “dupla” de sua personagem, fazendo-a soar como uma pessoa completamente diferente. O resto do elenco também é hábil em fazerem seus “duplos” parecerem bem díspares dos “reais”, muitas vezes apostando em linguagens corporais opostas. Assim, se Zora é aquele tipo de adolescente que está constantemente mal-humorada e reclamando de tudo, sua “dupla” está com um constante, perene e arrepiante sorriso no rosto.

Há também uma oposição no uso das cores nos personagens. Enquanto todos os “duplos” usam o mesmo macacão vermelho, os personagens “reais” tem cada um sua cor própria, como o branco e amarelo para Addy, o rosa para Kitty (Elizabeth Moss) ou o verde para Zora. A ideia parece ser mostrar como os “duplos” são um conjunto sem identidade própria enquanto as pessoas “reais” são indivíduos singulares.

Tal como em Corra!, Peele é bastante hábil em criar sequências carregadas de tensão, que nos fazem temer pelo destino dos personagens e ocasionalmente berrar para a tela quando eles fazem algo descuidado (sim, sou desses). Todo o segmento da invasão inicial e também aquele em que a família vai para a casa de Kitty são tão cheios de suspense que eu estava à beira do assento durante boa parte deles. O desfecho, porém, deixa um pouco a desejar ao tentar dar uma explicação “real” (dentro do universo do filme, claro) para o fenômeno dos duplos, já que faz isso em uma longa cadeia de diálogos expositivos que quebram o ritmo do clímax e também por não ser algo que carecia de explicação, operando mais em um nível simbólico do que literal.

Nós é mais um terror extremamente competente feito pelo diretor Jordan Peele, criando um clima de constante tensão e provocando uma reflexão sobre a estrutura social e a conduta humana.

Nota: 9/10


Trailer

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