Lançado em 1961, Crônica
de um Verão, dirigido por Jean Rouch e Edgar Morin, se pretendia a ser “um
experimento em cinema verdade” (cinema
verité em francês). Sua ideia era retratar a verdade de um encontro e como,
nesse encontro, se negociaria uma interação entre realizador e sujeitos
filmados e dessa negociação emergiria a verdade dessas interações.
Assim, se no documentário tradicionalmente observativo o
cineasta assume a função de “mosca na parede” ficando invisível do registro e
fazendo o máximo para não interferir, no cinema
verité proposto por Rouch e Morin neste filme, o cineasta seria uma “mosca
na sopa”, completamente imbricado no registro e interagindo diretamente com os
sujeitos.
O começo é relativamente simples, com uma pessoa vagando pelas
ruas de Paris perguntando as pessoas se elas são felizes. Essas cenas iniciais
mostram encontros fortuitos e interações não planejadas nas quais a
entrevistadora constrói o conteúdo ao reagir às respostas dos entrevistados.
Depois do segmento inicial, o filme se torna uma criatura
completamente diferente. Ele passa a acompanhar uma série de conversas entre
sujeitos que, de alguma forma, já eram conhecidos de Rouch e Morin. Essas
conversas abrem espaço para que os sujeitos verbalizem suas experiências de
vida e colocam seus anseios, dificuldades e problemas.
Os sujeitos são quem guiam boa parte dos rumos do filme e
isso é percebido, por exemplo, na cena em que dois jovens imigrantes notam uma
série de números tatuados no braço de Marceline sem saber que a marca está
relacionada com o Holocausto e campos de concentração nazistas.
A partir daí vemos uma cena na qual Marceline é filmada
caminhando pelas ruas de Paris enquanto fala sobre sua experiência durante o Holocausto.
É uma cena claramente planejada e encenada, ainda que o discurso da personagem
reflita uma experiência que de fato parece ter acontecido, que só existe porque
os indivíduos filmados chamaram atenção para ela, evidenciando o caráter
participativo da produção.
Essa natureza de mostrar a verdade da transação das
interações entre realizadores culmina na cena final na qual Rouch e Morin
exibem o filme aos participantes e discutem sobre o filme, mais uma vez dando a
eles a oportunidade para imprimirem seus próprios pontos de vista à respeito do
registro feito pelos dois diretores. Todas essas decisões desafiam a
impessoalidade que era regra no documentário até então e também pondera sobre a
unilateralidade do registro documental, já que o controle sobre o produto final
reside, no fim das contas, nos diretores que tem todo o controle sobre o
equipamento, a filmagem e a montagem final.
Desta maneira, Crônica
de um Verão não é só uma peça importante da história do cinema, mas também uma
reflexão fundamental sobre o registro documental, em especial sobre a relação
entre quem filma e quem é filmado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário