terça-feira, 26 de março de 2019

Rapsódias Revisitadas – Crônica de um Verão


Resenha – Crônica de um Verão


Review – Crônica de um Verão
Lançado em 1961, Crônica de um Verão, dirigido por Jean Rouch e Edgar Morin, se pretendia a ser “um experimento em cinema verdade” (cinema verité em francês). Sua ideia era retratar a verdade de um encontro e como, nesse encontro, se negociaria uma interação entre realizador e sujeitos filmados e dessa negociação emergiria a verdade dessas interações.

Assim, se no documentário tradicionalmente observativo o cineasta assume a função de “mosca na parede” ficando invisível do registro e fazendo o máximo para não interferir, no cinema verité proposto por Rouch e Morin neste filme, o cineasta seria uma “mosca na sopa”, completamente imbricado no registro e interagindo diretamente com os sujeitos.

O começo é relativamente simples, com uma pessoa vagando pelas ruas de Paris perguntando as pessoas se elas são felizes. Essas cenas iniciais mostram encontros fortuitos e interações não planejadas nas quais a entrevistadora constrói o conteúdo ao reagir às respostas dos entrevistados.


Depois do segmento inicial, o filme se torna uma criatura completamente diferente. Ele passa a acompanhar uma série de conversas entre sujeitos que, de alguma forma, já eram conhecidos de Rouch e Morin. Essas conversas abrem espaço para que os sujeitos verbalizem suas experiências de vida e colocam seus anseios, dificuldades e problemas.

Os sujeitos são quem guiam boa parte dos rumos do filme e isso é percebido, por exemplo, na cena em que dois jovens imigrantes notam uma série de números tatuados no braço de Marceline sem saber que a marca está relacionada com o Holocausto e campos de concentração nazistas.

A partir daí vemos uma cena na qual Marceline é filmada caminhando pelas ruas de Paris enquanto fala sobre sua experiência durante o Holocausto. É uma cena claramente planejada e encenada, ainda que o discurso da personagem reflita uma experiência que de fato parece ter acontecido, que só existe porque os indivíduos filmados chamaram atenção para ela, evidenciando o caráter participativo da produção.

Essa natureza de mostrar a verdade da transação das interações entre realizadores culmina na cena final na qual Rouch e Morin exibem o filme aos participantes e discutem sobre o filme, mais uma vez dando a eles a oportunidade para imprimirem seus próprios pontos de vista à respeito do registro feito pelos dois diretores. Todas essas decisões desafiam a impessoalidade que era regra no documentário até então e também pondera sobre a unilateralidade do registro documental, já que o controle sobre o produto final reside, no fim das contas, nos diretores que tem todo o controle sobre o equipamento, a filmagem e a montagem final.

Desta maneira, Crônica de um Verão não é só uma peça importante da história do cinema, mas também uma reflexão fundamental sobre o registro documental, em especial sobre a relação entre quem filma e quem é filmado.


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