O final da primeira temporada de Star Trek Discovery prometia um encontro com a tripulação da
Enterprise. Fiquei em dúvida se inserir alguns personagens clássicos como Spock
ou o capitão Pike não poderia cair em um mero fanservice, mas felizmente a presença desses personagens é usada
para desenvolver os arcos dos protagonistas da série.
A temporada começa no ponto em que a primeira parou. A
Discovery vai resgatar a Enterprise e Michael (Sonequa Martin Green) descobre
que seu irmão adotivo Spock (Ethan Peck) está desaparecido. Como a Enterprise
está com sérios danos, o capitão Pike (Anson Mount) se integra à tripulação da
Enterprise, que está precisando de um capitão depois da morte do capitão Lorca
(Oscar Isaac) no ano de estreia. Ao longo da temporada, a tripulação da
Discovery se envolve em uma investigação de misteriosos sinais deixados por uma
entidade que eles passam a chamar de “Anjo Vermelho”.
A aparição de uma entidade aparentemente sobrenatural que
parece vagar pelo universo ajudando pessoas necessitadas coloca a série diante
de uma temática que a franquia Star Trek pouco tinha explorado até agora que a
da fé. Sim, Star Trek V: A Fronteira
Final (1989) mais ou menos explorou isso ao colocar Kirk e companhia para
encontrar o planeta de “deus”, mas o filme é pavoroso e trata toda a questão da
pior maneira possível, então vamos considerar que Discovery é a primeira tentativa séria de tentar ponderar sobre o
papel da fé em um universo tão dominado pela ciência.
No geral, a temporada consegue equilibrar com inteligência a
ideia de que fé pode conviver com ciência, lembrando que crença sem
questionamento é meramente fanatismo e que precisamos ter alguma base racional
para sustentar nossas crenças. Isso é visto tanto no arco geral de Michael,
quanto em alguns episódios isolados, como aquele que leva a tripulação para um
remoto planeta Terralísio, no qual um grupo de humanos crê ter sobrevivido a
uma grande catástrofe com a ajuda do Anjo Vermelho ou no episódio que Saru
(Doug Jones) retorna ao seu planeta natal para questionar dogmas que até então
sua sociedade nunca tinha questionado.
A temporada também dá mais espaço para os tripulantes da
Discovery. Se a primeira era mais focada
no trio Michael, Saru e Stamets (Anthony Rapp), nesta segunda temos mais espaço
para os demais membros da ponte de comando, como Owosekun (Oyin Oladejo),
Airiam (Hannah Cheesman), Nhan (Rachael Ancheril) e Detmer (Emily Counts). O
fato de passarmos mais tempo com eles não só ajuda a expandir o universo como
também dá mais peso à decisão da tripulação de apoiar Michael em uma missão
suicida no final da temporada. Como agora conhecemos essas pessoas, entendemos
o peso da decisão para cada uma delas, o que dá mais força dramática à escolha.
Sonequa Martin Green continua eficiente em construir os
dilemas de Michael, que nesta temporada se vê dividida entre sua missão e
encontrar o desaparecido Spock. O encontro dos dois acaba servindo para
desenvolver ambos personagens conforme compreendemos os eventos do passado que
desembocaram no afastamento entre eles, colocando Michael para finalmente fazer
as pazes com o passado enquanto Spock fica mais próximo do personagem da série
clássica.
Eu estava com o pé atrás em relação à presença de Anson
Mount como Pike. Meu primeiro contato com o trabalho de Mount tinha sido na
horrenda (e felizmente já cancelada) série dos Inumanos na qual o ator falhava em dar ao Raio Negro a presença e a
imponência necessária. Felizmente Mount se sai muito melhor como Pike, trazendo
a autoridade e experiência do capitão ao mesmo tempo em que adiciona um certo
senso de humor e informalidade na conduta dele. A temporada inclusive dá a Pike
um episódio que serve como continuação para a participação dele no piloto da
série clássica de Star Trek, A Jaula, reverberando as consequências
da visita dele ao planeta Talos IV.
A temporada volta a fazer uma crítica ao impulso belicista
da Federação e ao fato de existir uma divisão de espionagem que funciona
praticamente como uma milícia que não responde a ninguém. Mostrando as
consequências de deixar tanto poder nas mãos de pessoas que nunca respondem
pelos próprios atos. O desfecho da temporada consegue até justificar o porquê
de Spock ou os demais que tiveram contato com Michael ou a Discovery jamais
terem mencionado seus nomes na série clássica ou em qualquer outro produto do
universo canônico. Ainda assim, imagino que os puristas não vão apreciar as
liberdades tomadas para inserir Michael no passado de Spock.
Ainda assim, a segunda temporada de Star Trek Discovery expande boa parte das ideias apresentadas no
ano de estreia, aprofundando seus personagens e conectando os eventos ao cânone
tradicional da franquia.
Nota: 8/10
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