Um Ato de Esperança começa
propondo um debate moral bastante complexo. A juíza Fiona Maye (Emma Thompson)
precisa julgar um caso envolvendo um adolescente com leucemia que precisa de
uma transfusão de sangue urgente, mas os pais estão proibindo o procedimento
por serem Testemunhas de Jeová e a religião proíbe esse tipo de operação.
Seria, em essência, um questionamento acerca de liberdade religiosa versus proteção da vida humana. Até que
ponto o Estado deve ou não intervir no princípio da liberdade religiosa e de
expressão ou se a proteção da vida de um menor de idade é suficiente para
interferir nas liberdades individuais, o que poderia configurar um precedente
perigoso.
O problema é que a narrativa praticamente não realiza essa
discussão, com o caso sendo decidido antes mesmo que o filme chegue à metade e
com a argumentação do julgamento não chegando nem perto de alcançar a
complexidade dos temas em pauta. O que sobra depois que Fiona decide sobre a
vida do jovem Adam (Fionn Whitehead, que protagonizou Dunkirk) não é suficiente para sustentar cerca de uma hora de
projeção.
A segunda metade do filme tem dois conflitos principais. O
primeiro é a crise matrimonial entre Fiona e o marido, Jack (Stanley Tucci). O
segundo é o fato de que Adam agora stalkeia
Fiona para lhe falar sobre seu aprendizado de música, poesia e como ele está
questionando seu lugar no mundo depois que ele viu que seus pais estavam
dispostos da deixá-lo morrer em nome da fé.
A primeira trama é desinteressante por não conseguir ir além
do clichê do homem que não aceita que sua mulher trabalhe por longas horas e
não lhe dê atenção (pensem em O Diabo
Veste Prada). A segunda é problemática por tentar imputar na juíza uma
culpa ou responsabilidade pelos problemas e inseguranças de Adam, sendo que a
situação não foi causada por Fiona e sim pelos pais dele. A maneira como o
filme lida com os pais também é questionável e dilui a complexidade do debate
pretendido.
Em dado momento Adam diz a Fiona que interpreta o choro dos
pais no momento em que recebeu a transfusão como um choro de tristeza por ele
não estar morrendo em nome da fé. Era de se imaginar que o garoto fosse
confrontar os pais com isso, mas não ouvimos uma resposta deles, o texto não dá
a esses personagens a chance de se explicar, de justificar o ato do choro e a
palavra de Adam sobre a conduta dos pais acaba soando como uma conclusão
definitiva. Desta maneira, os pais dele (e todas as Testemunhas de Jeová, já
que Adam faz acusações bem gerais em relação à religião) são reduzidos a uma
caricatura de fanáticos estúpidos e desumanos, quando na cabeça deles estavam
agindo com extrema piedade.
Todos esses equívocos de roteiro e argumentam descambam para
um final que deveria soar trágico e impactante, mas que se revela gratuito e
injustificado. A decisão final de Adam deveria reforçar a noção de uma tragédia
provocada por extremismo religioso, mas termina como a atitude de um moleque
imaturo que brincou com a própria vida só para “ensinar uma lição” à juíza e
aos pais. Aliás, várias decisões tomadas por personagens ao longo do filme
falham em soar convincentes ou em comunicar com clareza a motivação delas.
Quando Fiona decide visitar Adam no hospital ainda no início
do filme para questioná-lo sobre a transfusão, o filme, em nenhum momento, faz
a escolha da juíza parecer pouco ortodoxa. Pelo contrário, Fiona conduz tudo
com tanta naturalidade que supus não ser a primeira vez que ela fez aquilo. É
apenas no terço final que ela diz ao marido que a decisão dela era algo pouco
usual em sua prática cotidiana do magistério, o que faz a ação parecer
desmotivada. Afinal, se ela não fazia isso, o quê, nesse caso específico a
moveu nessa direção?
O mesmo pode ser dito sobre a relação de Adam com Fiona.
Desde o primeiro momento que a vê, o jovem exibe uma fixação ou obsessão pela
juíza e pela atenção dela que nunca soa plenamente justificada. Seria
compreensível se essa fixação aparecesse depois da decisão de Fiona, algo que
transforma a vida de Adam completamente, mas como ele demonstra isso desde a
primeira vez que vê, soa estranho. Afinal, quando Fiona o interroga no
hospital, ela é uma estranha querendo negar a fé dele, não há muita razão que
ela veja como qualquer outra coisa além de uma ameaça, mas Adam fica
completamente encantado por ela só pela juíza ter recitado alguns versos de
Yeats para ele.
Como de costume Emma Thompson entrega uma performance
competente conforme a fachada impassível de Fiona vai desmoronando diante dos
constantes questionamentos de Adam. Há uma emoção poderosa e genuína no
trabalho da atriz, o problema é que o texto não sabe como usá-la e, desta
maneira, o trabalho de Thompson termina refém de uma obra que não tem muito a
dizer sobre seus personagens ou dilemas.
Apesar de promissor, Um
Ato de Esperança acaba sendo uma exploração tão rasa e inane de temas bastante
complexos ao ponto em que nem a Emma Thompson consegue fazer a experiência
valer a pena.
Nota: 4/10
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