quinta-feira, 4 de abril de 2019

Crítica – Um Ato de Esperança


Análise Crítica – Um Ato de Esperança


Review – Um Ato de Esperança
Um Ato de Esperança começa propondo um debate moral bastante complexo. A juíza Fiona Maye (Emma Thompson) precisa julgar um caso envolvendo um adolescente com leucemia que precisa de uma transfusão de sangue urgente, mas os pais estão proibindo o procedimento por serem Testemunhas de Jeová e a religião proíbe esse tipo de operação. Seria, em essência, um questionamento acerca de liberdade religiosa versus proteção da vida humana. Até que ponto o Estado deve ou não intervir no princípio da liberdade religiosa e de expressão ou se a proteção da vida de um menor de idade é suficiente para interferir nas liberdades individuais, o que poderia configurar um precedente perigoso.

O problema é que a narrativa praticamente não realiza essa discussão, com o caso sendo decidido antes mesmo que o filme chegue à metade e com a argumentação do julgamento não chegando nem perto de alcançar a complexidade dos temas em pauta. O que sobra depois que Fiona decide sobre a vida do jovem Adam (Fionn Whitehead, que protagonizou Dunkirk) não é suficiente para sustentar cerca de uma hora de projeção.

A segunda metade do filme tem dois conflitos principais. O primeiro é a crise matrimonial entre Fiona e o marido, Jack (Stanley Tucci). O segundo é o fato de que Adam agora stalkeia Fiona para lhe falar sobre seu aprendizado de música, poesia e como ele está questionando seu lugar no mundo depois que ele viu que seus pais estavam dispostos da deixá-lo morrer em nome da fé.

A primeira trama é desinteressante por não conseguir ir além do clichê do homem que não aceita que sua mulher trabalhe por longas horas e não lhe dê atenção (pensem em O Diabo Veste Prada). A segunda é problemática por tentar imputar na juíza uma culpa ou responsabilidade pelos problemas e inseguranças de Adam, sendo que a situação não foi causada por Fiona e sim pelos pais dele. A maneira como o filme lida com os pais também é questionável e dilui a complexidade do debate pretendido.

Em dado momento Adam diz a Fiona que interpreta o choro dos pais no momento em que recebeu a transfusão como um choro de tristeza por ele não estar morrendo em nome da fé. Era de se imaginar que o garoto fosse confrontar os pais com isso, mas não ouvimos uma resposta deles, o texto não dá a esses personagens a chance de se explicar, de justificar o ato do choro e a palavra de Adam sobre a conduta dos pais acaba soando como uma conclusão definitiva. Desta maneira, os pais dele (e todas as Testemunhas de Jeová, já que Adam faz acusações bem gerais em relação à religião) são reduzidos a uma caricatura de fanáticos estúpidos e desumanos, quando na cabeça deles estavam agindo com extrema piedade.

Todos esses equívocos de roteiro e argumentam descambam para um final que deveria soar trágico e impactante, mas que se revela gratuito e injustificado. A decisão final de Adam deveria reforçar a noção de uma tragédia provocada por extremismo religioso, mas termina como a atitude de um moleque imaturo que brincou com a própria vida só para “ensinar uma lição” à juíza e aos pais. Aliás, várias decisões tomadas por personagens ao longo do filme falham em soar convincentes ou em comunicar com clareza a motivação delas.

Quando Fiona decide visitar Adam no hospital ainda no início do filme para questioná-lo sobre a transfusão, o filme, em nenhum momento, faz a escolha da juíza parecer pouco ortodoxa. Pelo contrário, Fiona conduz tudo com tanta naturalidade que supus não ser a primeira vez que ela fez aquilo. É apenas no terço final que ela diz ao marido que a decisão dela era algo pouco usual em sua prática cotidiana do magistério, o que faz a ação parecer desmotivada. Afinal, se ela não fazia isso, o quê, nesse caso específico a moveu nessa direção?

O mesmo pode ser dito sobre a relação de Adam com Fiona. Desde o primeiro momento que a vê, o jovem exibe uma fixação ou obsessão pela juíza e pela atenção dela que nunca soa plenamente justificada. Seria compreensível se essa fixação aparecesse depois da decisão de Fiona, algo que transforma a vida de Adam completamente, mas como ele demonstra isso desde a primeira vez que vê, soa estranho. Afinal, quando Fiona o interroga no hospital, ela é uma estranha querendo negar a fé dele, não há muita razão que ela veja como qualquer outra coisa além de uma ameaça, mas Adam fica completamente encantado por ela só pela juíza ter recitado alguns versos de Yeats para ele.

Como de costume Emma Thompson entrega uma performance competente conforme a fachada impassível de Fiona vai desmoronando diante dos constantes questionamentos de Adam. Há uma emoção poderosa e genuína no trabalho da atriz, o problema é que o texto não sabe como usá-la e, desta maneira, o trabalho de Thompson termina refém de uma obra que não tem muito a dizer sobre seus personagens ou dilemas.

Apesar de promissor, Um Ato de Esperança acaba sendo uma exploração tão rasa e inane de temas bastante complexos ao ponto em que nem a Emma Thompson consegue fazer a experiência valer a pena.

Nota: 4/10

Trailer

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